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O aborto: um tema local ou nacional? Terceira paragem: Kansas City, o bastião republicano que não quer proibir a interrupção da gravidez |
No dia 31 de maio do ano de 2009, o médico George Tiller estava à porta da igreja que frequentava quando um homem chamado Scott Roeder o atingiu a tiro, matando-o. O motivo era claro: Tiller era um dos poucos médicos no estado do Kansas que realizava abortos, muitas vezes em gravidezes avançadas. Roeder acabaria por ser detido e condenado a uma pena de prisão perpétua. |
É precisamente por o aborto ser um tema definidor desta eleição presidencial que a viagem do Observador pela Route 66 pára esta terça-feira em Kansas City, no mesmo estado onde Tiller foi assassinado. É que neste local tradicionalmente conservador, onde os republicanos dominam a política local — há quase cem anos que o Kansas não elege um senador democrata —, em 2022 houve uma surpresa: em referendo, uma esmagadora maioria de 59% dos eleitores votou a favor de que se mantenham as regras em vigor relativamente à interrupção voluntária da gravidez, não seguindo a toada nacional imposta pelo Supremo Tribunal nesse ano, que revogou a lei Roe v. Wade, que legalizava o aborto a nível nacional. |
Foi uma votação totalmente inesperada, porque a margem indicia que, ao contrário do que seria de esperar, muitos eleitores republicanos votaram a favor da manutenção das regras do estado, onde é legal abortar até às 21 semanas de gravidez. Como explicou à altura o jornalista local David Helling, “até nos condados mais rurais, onde esperávamos um voto de 70% a favor do ‘sim’ [alteração da lei], foi mais próximo dos 60% ou 55%”. “Isso reflete o facto de que muitos republicanos, talvez 80 ou 90 mil votos, decidiram votaram ‘não’ e garantir o direito ao aborto no Kansas. Isso foi uma surpresa”, acrescentou o repórter à NPR. |
O Kansas prova que o tema não se divide tão claramente por linhas partidárias como muitos políticos norte-americanos parecem pensar. Nesta campanha eleitoral, o combate à decisão do Supremo sobre o aborto tem sido assumido como bandeira pela candidata Kamala Harris, que responsabiliza o adversário por ter nomeado para o tribunal de maior instância do país vários juízes conservadores que contribuíram para esta posição. “Ele está orgulhoso de haver mulheres a morrer, orgulhoso de médicos e enfermeiros poderem ser presos, orgulhoso de que jovens mulheres tenham menos direitos do que as suas mães e avós”, já acusou a democrata. |
Donald Trump, contudo, tem noção de que o tema é delicado. Apesar de ter várias vezes defendido as suas nomeações para o Supremo, tem mantido uma posição ambígua sobre o aborto ao longo desta campanha: defende a decisão a nível nacional, mas considera que cabe a cada estado decidir que regras se devem aplicar a nível local. Consciente de que o tema é eleitoralmente relevante junto do eleitorado feminino, ainda na semana passada Trump declarou num comício que é “um protetor das mulheres” e disse que consigo na presidência as mulheres estarão “felizes, saudáveis, confiantes e livres” e não sentirão necessidade de pensar na questão do aborto. |
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O tema é mesmo crucial na eleição, até porque as sondagens são claras: a maioria dos norte-americanos (63% de acordo com uma sondagem da CNN de 2022) estão contra a decisão do Supremo Tribunal de revogar o Roe v. Wade — e isso inclui vários eleitores republicanos, como aconteceu no Kansas. |
O estado foi a primeiro a votar sobre o tema depois da decisão judicial, mas não é o único. Vários estados já fizeram plebiscitos semelhantes e há iniciativas para realizar votações em estados no mesmo dia da eleição presidencial na Florida, no Dakota do Sul, no Colorado, no Nevada, no Missouri, no Arizona, no Montana e em Nova Iorque — o que, espera a campanha democrata, possa ter um efeito de contágio no voto nacional. |
Independentemente do efeito que o tema possa ter na eleição presidencial, certo é que aqui em Kansas City o tema continuará a ser relevante. Não por acaso, segundo dados da associação Guttmacher, nos últimos anos o número de interrupções de gravidez realizadas no estado do Kansas aumentou 152%. Não necessariamente porque mais mulheres daqui — o mesmo sítio onde há 15 anos o médico George Tiller foi assassinado — recorram ao aborto, mas por outro efeito provocado pela decisão do Supremo Tribunal: o número de mulheres de estados vizinhos como o Texas ou o Oklahoma, onde o procedimento é proibido, que têm ido a clínicas no Kansas para abortar tem disparado. A 5 de novembro, o aborto pode bem deixar de ser um tema local para voltar a tornar-se nacional. |
O que aconteceu esta semana? |
- Volodymyr Zelensky encontra-se com Donald Trump e Kamala Harris
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O Presidente ucraniano foi aos Estados Unidos e encontrou-se com os dois candidatos à presidência para os sensibilizar a que continuem a apoiar Kiev. Harris reafirmou esse apoio, repetindo que “o agressor” é o Presidente russo Vladimir Putin e decretando que os Estados Unidos não podem “isolar-se” do resto do mundo. |
Já no encontro com Donald Trump, Zelensky disse que os dois têm uma “visão comum” de que a guerra tem de acabar e que Putin “não pode vencer”. O republicano manteve a sua promessa de que, se for eleito Presidente, porá fim ao conflito muito rapidamente: “Como sabem também tenho uma relação muito boa com o Presidente Putin e creio que se vencermos vamos resolver isto muito depressa.” |
- Suspeito de tentativa de assassinato de Trump declara-se inocente
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Ryan Routh, o homem suspeito de ter tentado assassinar Donald Trump num campo de golfe, foi esta semana presente a tribunal. Perante o juiz, declarou-se como ‘inocente’ do crime de que é acusado. |
Em meados de setembro, o homem de 58 anos foi visto por um agente do Serviço Secreto escondido atrás de uns arbustos com uma espingarda apontada ao candidato republicano, tendo disparado a arma. Segundo a investigação, estaria ali escondido há cerca de 12 horas. Routh acabou por fugir e ser detido pouco depois, estando agora a ser julgado. |