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[Provavelmente já percebeu pela mudança no título: passadas as eleições nos Estados Unidos, o país entra numa nova fase de transição até à tomada de posse do 46.º Presidente, a 20 de janeiro. Esta newsletter semanal “Até à Casa Branca” vai acompanhar todas as decisões, opções e momentos decisivos que se seguem. Aqui vou explicar-lhe como funciona cada um desses passos, o que aconteceu com outros Presidentes e o que está a acontecer todas as semanas do outro lado do Atlântico.] |
O que faz um Presidente que está de saída da Casa Branca? |
Aos olhos de Jimmy Carter, a cronologia dos acontecimentos só poderia parecer uma piada de mau gosto. A 4 de novembro de 1979, uma turba de revoltosos liderada por estudantes armados tomou de assalto a embaixada dos EUA no Irão e ali sequestrou vários funcionários diplomáticos. A 4 de novembro de 1980, um ano mais tarde e com o sequestro ainda em curso, o Presidente democrata perdeu de forma pesada para o republicano Ronald Reagan. |
Passaram 366 dias entre um evento e outro (curiosidade: para azar de Jimmy Carter, o annus horribilis de 1980 foi bissexto, como acontece sempre em eleições presidenciais nos EUA, à exceção da primeira), mas para o Presidente de então parecia haver apenas um objetivo nos 77 dias que lhe restavam na Casa Branca. É melhor lê-los nas suas próprias palavras: “Perante Deus e os meus concidadãos, quis dedicar cada grama da minha força e das minhas capacidades durante estes últimos dias para conseguir a sua libertação”. |
E assim foi: no final de contas, Jimmy Carter negociou com os iranianos — através de intermediadores argelinos — a libertação dos reféns, mediante o descongelamento de bens iranianos em bancos norte-americanos. Ficou acordado que os reféns seriam levados até à base militar norte-americana de Wiesbaden, na então Alemanha Ocidental, e ali recebidos por Jimmy Carter no seu último dia de poder: 19 de janeiro de 1981. Assim o pensava na véspera o Presidente — mas depois houve uma série de contratempos (que foram dos voos às transferências bancárias dos bens congelados) que levaram Jimmy Carter a fazer uma noitada até ao próprio dia 20 de janeiro. |
Já de manhã, sem ter pregado olho, a primeira-dama avisou o marido de que tinham visitas. “Jimmy, os Reagans chegam dentro de 15 minutos, tens de vestir as tuas roupas da manhã e recebê-los”, disse Rosalyn Carter, de acordo com o relato do chefe de gabinete daquele Presidente, Hamilton Jordan, no livro “Crisis”. Estava na altura de passar o poder a Ronald Reagan, que tomaria posse dentro de poucas horas. |
A libertação dos reféns viria a acontecer — vinte minutos depois de o novo Presidente ter terminado o seu discurso de tomada de posse. Mais uma vez, o calendário voltou a ser uma piada de mau gosto para Jimmy Carter — o que não impediu um dos sobreviventes do sequestro, John Limbert, de ter elogiado amplamente o ex-Presidente numa entrevista que me deu pela ocasião do 40º aniversário do incidente. |
O exemplo de Jimmy Carter demonstra que, muitas vezes, um Presidente em fim de mandato pode utilizar os seus últimos dias para terminar assuntos que ficaram por resolver — seja para corrigir algo ou para reforçar o seu legado mesmo antes de o sucessor tomar posse. |
Além de Jimmy Carter, os exemplos mais recentes são vários. |
A 4 de dezembro de 1988, o então Presidente Ronald Reagan, um mês e meio antes de passar o testemunho ao seu vice-Presidente e então Presidente eleito George H. W. Bush, fez uma mini-cimeira com Mikhail Gorbatchov em Washington D.C. — uma cerimónia para passar o testemunho para a nova administração norte-americana, já no estertor do regime soviético. |
A 13 de janeiro de 1993, uma semana antes de dar o poder a Bill Clinton, George H. W. Bush ordenou um ataque aéreo (em coordenação com britânicos e franceses) contra armazéns no Iraque onde Saddam Hussein (contra o qual combateu na Guerra do Golfo) guardava mísseis ao arrepio das ordens das Nações Unidas. |
O seu sucessor, Bill Clinton, também teve uma saída polémica, ao decretar 140 indultos presidenciais no dia da tomada de posse de George W. Bush — incluindo a pessoas que foram defendidas em tribunal pelo irmão de Hillary Clinton e também ao próprio meio-irmão de Bill Clinton, Roger Clinton, levando a que o seu cadastro, manchado por tráfico de droga, ficasse limpo. O caso ficou conhecido como o Pardongate e chegou a ser investigado, e dado como totalmente legal, por James Comey. Sim, esse James Comey. |
Já George W. Bush também usou o poder da sua assinatura nos últimos dias no cargo, marcados pelo início da grave crise financeira de 2008 e 2009. Nesse contexto, aprovou um resgate de 17,4 mil milhões dólares a dois gigantes da indústria automóvel, a General Motors e Chrysler. A medida não foi suficiente para evitar novo resgate, já durante a administração de Barack Obama — e este, por sua vez, também não chegou para impedir que aquelas duas empresas declarassem insolvência logo em 2009. |
Quanto a Barack Obama, as últimas medidas foram tanto na frente internacional como na doméstica. Fora de fronteiras, os EUA abstiveram-se pela primeira vez na votação de uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas que condenava os colonatos israelitas — uma alteração de posição que levou a que, sem a habitual oposição dos EUA, fosse decretada a primeira resolução declaradamente contra aquela iniciativa de Israel. Na frente doméstica, Barack Obama indultou 330 prisioneiros (um recorde para um só dia) condenados por tráfico de droga em situações não-violentas e premiou ainda um colaborador muito próximo: Joe Biden, que recebeu das mãos do Presidente cessante a Medalha Presidencial da Liberdade com Distinção, a maior condecoração que um civil pode receber nos EUA. |
Em relação a Donald Trump, ainda é cedo para falar com certezas quanto ao que pretende fazer nos seus últimos dias de poder. Ainda antes das eleições de 3 de novembro, deixou a promessa de que as tropas norte-americanas seriam retiradas de vez do Afeganistão até ao final do ano. Outra promessa até ao final de dezembro é a distribuição de uma vacina contra a Covid-19 — um compromisso que também que leva meses e que, com o anúncio da Pfizer (vacina com 90% de eficácia) e da Moderna (95% de eficácia), pode estar mais perto da concretização. |
Uma grande diferença entre os últimos dias no poder de todos os casos anteriormente referidos e Donald Trump é, para já, esta: reconhecer a derrota (aplicável aos casos de Jimmy Carter e George H. W. Bush, os únicos que saíram da Casa Branca por terem perdido as eleições), receber o seu sucessor de braços abertos e dar início à transição de poder. Um processo do qual vos darei conta numa newsletter futura. |
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O passado de Joe Biden e Kamala Harris |
Nesta nova rubrica da newsletter do Observador em parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, vamos olhar para alguns dos momentos mais marcantes das carreiras de Joe Biden e de Kamala Harris. |
O primeiro olhar será, nesta altura de triunfo de Joe Biden, para o seu primeiro grande falhanço enquanto candidato presidencial. Esse exercício foi feito pelo próprio quando discursou em Wilmington, no Delaware, para assumir a vitória. “A todos os que votaram no Presidente Trump, compreendo a vossa desilusão de hoje. Eu também já perdi um par de eleições”, disse. |
“Um par” é expressão, porque, na verdade, foram três. A primeira foi em 1984 (foi às primárias democratas mas só conseguiu 1 em 3.882 delegados) e a última foi em 2008 (não conseguiu nenhum delegado numa corrida bipolarizada entre Barack Obama e Hillary Clinton). Mas é da segunda, em 1987, de que vos falo agora. |
Dessa vez, Joe Biden caiu depois de, no final de um debate com os seus adversários, ter feito um discurso onde falava de como tinha sido o primeiro na família Biden a ter ido à universidade. Perante a plateia, aquelas passagens correram bem — mas, pouco depois, alguns assessores da equipa de Michael Dukakis (que viria a vencer as primárias) fizeram saber que se tratava de um plágio de um discurso de Neil Kinnock, líder do Partido Trabalhista britânico entre 1983 e 1992. |
Depois desse caso, Biden desistiu. “Cometi alguns erros”, disse, sem nunca assumir o plágio. “A sombra exagerada desses erros começou a ocultar a essência da minha candidatura e a essência de Joe Biden.” |
O que aconteceu esta semana |
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- Donald Trump anuncia distribuição de vacina dentro de semanas
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Quatro dias depois de a Pfizer ter anunciado que a sua vacina contra a Covid-19 tinha uma eficácia de 90%, Donald Trump fez um discurso a partir da Casa Branca onde anunciou a sua distribuição numa “questão de semanas” a três grupos: pessoais que trabalhem diretamente na resposta à pandemia, população idosa e cidadãos de alto risco. Na mesma ocasião, o Presidente dos EUA referiu ainda que outras três vacinas estavam já na fase final de testes. Entretanto, esta segunda-feira, uma delas foi anunciada pela farmacêutica Moderna, cuja vacina tem 95% de eficácia. |
O Presidente dos EUA rejeitou ainda um novo confinamento durante o seu mandato, que terminará a 20 de janeiro de 2021, apesar de ainda não ter reconhecido a vitória do seu sucessor, Joe Biden. |
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- Joe Biden escolheu o “czar do ébola” de Obama para seu chefe de gabinete
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O Presidente eleito dos EUA, Joe Biden, anunciou Ron Klain como a sua escolha para chefe de gabinete. Aos 59 anos, Ron Klain conta com um currículo recheado de posições de poder em Washington D.C, incluindo a de chefe de gabinete de dois vice-presidentes: Al Gore, entre 1995 e 1999; e o próprio Joe Biden, entre 2009 e 2011. A relação com Biden antecede em muito esses anos: já em 1988 foi conselheiro e speechwriter da campanha presidencial falhada do democrata, experiência que viria a repetir em 2008. Além disso, foi o responsável pela coordenação da missão de resposta da Casa Branca à epidemia do ébola, entre outubro de 2014 e fevereiro de 2015 — um cargo que lhe valeu a alcunha de “czar do ébola”. |
“A sua vasta e variada experiência e capacidade de trabalhar com pessoas de todo o espectro político é precisamente aquilo de que preciso num chefe de gabinete da Casa Branca, quando enfrentamos este tempo de crise”, disse Joe Biden em comunicado, depois do anúncio da nomeação de Ron Klain. |
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- Donald Trump insiste em não conceder, mas advogados limitam queixas
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Mais de uma semana depois de Joe Biden ter sido declarado vencedor das eleições presidenciais, Donald Trump continua a não reconhecer a derrota, sem com isso apresentar provas que apontem para fraude eleitoral. Este domingo, Donald Trump foi ao Twitter escrever: “Ele só ganhou aos olhos dos MEDIA FAKE NEWS! Não concedo em NADA!”. O espírito desta mensagem foi replicado por milhares de manifestantes pró-Trump que se juntaram em Washington D.C. contra a vitória de Joe Biden. |
Enquanto isso, o esforço legal levado a cabo pela equipa de advogados da campanha de Donald Trump continua, mas não como se fez inicialmente anunciar. No Arizona, onde Joe Biden lidera com 10.377 votos, a campanha republicana não avançou com uma queixa que pedia a revisão dos boletins de voto. Na Pensilvânia, o estado decisivo, o processo vai avançar, mas sem aquela que foi a maior queixa até à data: a de que não teria sido permitido aos observadores eleitorais republicanos assistir à contagem dos votos. |