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O que são os eleitores descomprometidos do Colégio Eleitoral? |
Conhece a história daquele guarda-redes que conquistou a Liga dos Campeões para a sua equipa nos últimos dez minutos com um hat-trick? Estavam a perder 2-0 e, com três remates certeiros do audaz guarda-redes, viraram o jogo e levaram a taça. Conhece esta história? O mais certo é a resposta ser negativa — até porque ela nunca aconteceu. Mas pense nisto: teoricamente, pode acontecer um dia. |
É nesse domínio — o das coisas possíveis que nunca aconteceram — que entra o tema desta semana: os faithless electors ou, como tomarei a liberdade de traduzir, os eleitores descomprometidos. |
Para entender este conceito, é preciso rever a matéria dada numa newsletter passada, em que expliquei o que é, afinal, o Colégio Eleitoral. Brevemente: é um conjunto de 538 pessoas de todos os estados que têm a responsabilidade de eleger diretamente o Presidente e o vice-Presidente dos EUA. Assim, quando cada eleitor vota, não está a eleger diretamente os candidatos que surgem no boletim, mas antes a indicar uma escolha que as pessoas designadas em cada estado deverão confirmar numa votação solene em Washington D.C. No caso das eleições presidenciais deste ano, essa votação está agendada para 14 de dezembro, ou seja, a próxima segunda-feira. |
Ali, espera-se que Joe Biden vença com 306 votos e que Donald Trump se fique pelos 232. Ou seja, que aconteça o que sempre acontece: o candidato com maior previsão de votos no Colégio Eleitoral vence as eleições. Mas é possível que as contas não sejam bem assim — e em teoria até podem ser substancialmente diferentes. É nesse momento que entra o tal guarda-redes pronto a fazer um hat-trick. Ou, melhor, os tais eleitores descomprometidos. |
O pioneiro neste conceito vem de um estado de que ouvimos todos falar muito nos últimos tempos: a Pensilvânia. Em 1796, um homem de 56 anos chamado Samuel Miles foi escolhido pelo Partido Federalista para oficializar o voto do seu estado no candidato das suas cores, John Adams. Porém, lá chegado, entendeu mudar de ideias e votou no adversário, do Partido Democrata-Republicano, Thomas Jefferson, por acreditar que este estaria mais próximo de poupar os EUA a uma guerra com França, como se perspetivava na época. E assim foi: chegado a Washington D.C. depois de uma longa viagem, votou não só contra a vontade dos eleitores da Pensilvânia como votou contra aquilo que se esperava dele. |
Apesar do desvio de Samuel Miles, John Adams ganhou as eleições na mesma — mas ainda assim houve quem não perdoasse a Samuel Miles a sua mudança de ideias repentina. No livro “Let the People Pick the President: The Case for Abolishing the Electoral College”, o autor, Jesse Wegman, conta como um membro do Partido Federalista escreveu num jornal: “O quê, escolhi o Samuel Miles para determinar em meu lugar se é John Adams ou Thomas Jefferson que deve ser Presidente? Não! Eu escolhi-o para agir, não foi para pensar!”. |
No final de contas, a história não foi assim tão implacável para Samuel Miles, que hoje até tem um parque em seu nome em Whitemarsh, na Pensilvânia, terra onde viria a morrer nove anos depois daquelas eleições. Não consta que tal sorte tenha calhado aos restantes eleitores descomprometidos da História das eleições presidenciais norte-americanas — afinal de contas, são ao todo 90. |
Mas, neste caso, 90 é uma gota num oceano de 23.507 eleitores ao longo de 58 eleições. De acordo com a FairVote, ONG pela reforma do sistema eleitoral dos EUA, apenas um eleitor descomprometido votou no adversário do candidato em que se esperava que ele votasse: falo do tal senhor com um parque em Whitemarsh, na Pensilvânia. |
Em 1832, 23 eleitores do Partido Democrata recusaram votar no vice-Presidente escolhido pelo partido (Richard M. Johnson, do Kentucky), porque se descobriu que a sua mulher, Julia Chinn, tinha antepassados afro-americanos. Em 1872, 63 eleitores do Partido Democrata votaram noutras opções no Colégio Eleitoral por uma razão óbvia: o seu candidato, Horace Greeley, morrera nem um mês depois das eleições, o que não impediu ainda assim três eleitores de votarem nele de qualquer modo. |
Mais recentemente, o número de eleitores descomprometidos tem sido residual — ao ponto de, tal como aconteceu no primeiro caso, se conhecerem o nome de pelo menos alguns. Em 1960, Henry D. Irwin foi escolhido pelo Partido Republicano para ir ao Colégio Eleitoral, mas acabou por não votar em Richard Nixon. “Não tenho estômago [para Nixon]”, disse numa entrevista à CBS aquele homem do Oklahoma, que acabou por votar em dois senadores conservadores: Harry F. Byrd e Barry Goldwater. Não fez diferença, já que de uma maneira ou de outra o Presidente acabaria por ser o democrata John F. Kennedy. |
Depois há quem troque a ordem em que é suposto votar, trocando o candidato a Presidente com o seu escolhido para vice-Presidente. Uns por engano, como se especula que terá acontecido com um eleitor descomprometido do Minnesota em 2004, que escolheu o democrata John Kerry para vice-Presidente e John Edwards e do qual ainda hoje não se conhece a identidade. Outros de propósito e por protesto, como foi o caso de Margarette Leach, da Virgínia Ocidental que se insurgiu contra o sistema do Colégio Eleitoral. Por isso, na busca de quebrar o sistema a partir das suas entranhas, trocou a ordem e escolheu Michael Dukakis para vice-Presidente e subiu Lloyd Bentsen a primeiro. |
Quanto às eleições de 2020, esta é uma história que ainda está para ser escrita — e a verdade é que não seria de estranhar que, num ato de inconformidade ou até rebelião, alguns eleitores do Colégio Eleitoral decidissem votar numa opção para lá daquela que os eleitores do seu estado ditaram. Quanto a isto, ainda podem restar algumas esperanças para Donald Trump — mas muito marginais, há que sublinhá-lo. |
Ao todo, 33 dos 50 estados dos EUA exigem aos eleitores do Colégio Eleitoral que sigam a orientação dada pelos eleitores que representam. Há estados onde os eleitores descomprometidos podem mesmo ser presos entre 16 a 36 meses (como na Califórnia) ou serem multados em 500 dólares (como na Carolina do Norte). |
Há estados onde um voto desalinhado com a orientação do voto popular do estado obriga ao cancelamento desse ato e à substituição do eleitor (como no Arizona ou no Michigan) mas também há estados onde, sendo proibido, não há penalização nenhuma. Mais: o voto não é repetido ou reformulado. É o caso do Wisconsin, um dos estados mais disputados destas eleições. E, para lá disto tudo, há estados onde os eleitores do Colégio Eleitoral podem fazer o que quiserem. A Pensilvânia é um deles — e, no final, é até possível que fiquem com um parque em sua honra. |
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Histórias do passado de Joe Biden e Kamala Harris |
Em 1991, um dos casos mais polémicos da vida política dos EUA teve a ver com a nomeação do juiz Clarence Thomas para o Supremo Tribunal. À altura, o processo confirmação daquele magistrado conservador, que foi nomeado pelo então Presidente George H. W. Bush, ficou manchado pela denúncia de assédio sexual que lhe dirigiu Anita Hill, então uma jovem advogada que tinha trabalhado sob a sua orientação. |
O processo foi moroso e conturbado, com Anita Hill a aceitar fazer um teste de polígrafo (que confirmou o seu testemunho) ao mesmo tempo que o juiz Clarence Thomas rejeitou submeter-se ao mesmo tipo de exame. Além disso, o processo contou com perguntas plenas de insinuações ou que desconsideravam Anitta Hill, como “você é uma mulher rejeitada?” ou “tem complexo de mártir?”. |
A liderar o painel responsável por todos esse processo estava um senador do Delaware chamado Joe Biden, que dirigiu o processo de forma rápida e sem hesitações, chegando a dizer que não queria “atacar os atacantes” de Anitta Hill. Anos mais tarde, já durante a campanha, e depois de outro juiz conservador, Brett Kavanaugh, ter sido nomeado e confirmado em 2017 no meio de acusações de violação por uma ex-colega da universidade, Joe Biden foi várias vezes confrontado com a sua postura em 1991. |
No início de 2019, numa altura em que Joe Biden preparava a sua candidatura, o então ex-vice-Presidente ligou a Anitta Hill para falar sobre aquele caso de há 28 anos. Aos media, Anitta Hill disse que não considerou aquele telefonema um pedido de desculpas. Mais à frente, em abril de 2019, Joe Biden tornou a defender-se: “Se olharmos e virmos o que eu disse e o que eu não disse, não creio que a tenha tratado mal”. Dias depois, numa entrevista lado a lado com a sua mulher, mudou o tom e conteúdo e assumiu culpas. “Ela não teve uma audiência justa, ela não foi bem tratada”, disse. “A responsabilidade é minha.” |
Em 2020, Anitta Hill acabou por declarar publicamente o seu apoio a Joe Biden. “Independentemente das suas limitações no passado, e os erros que ele cometeu no passado, nesta altura, entre Donald Trump e Joe Biden, creio que Joe Biden é a pessoa que deve ser eleita em novembro”, disse numa entrevista à CNN, em setembro deste ano. |
Diana Marie Afonso, médica: “A pandemia é um problema de saúde pública que nunca devia ser politizado” |
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Diana Marie Afonso, luso-americana de Providence, em Rhode Island, é médica há dez anos — dos quais o último foi, de longe, o mais desafiante. Como médica no serviço de urgências do hospital Brown Emergency Medicine, Diana Marie Afonso tem estado na linha da frente da Covid-19 desde o início da pandemia. De tudo o que tem aprendido desde lá, e entre toda a complexidade que esta doença representa para médicos como ela, |
Diana Marie Afonso fixa-se num ponto essencial: a importância de usar máscara. É nesse ponto que, sem abdicar da sua simpatia, fala com desespero em relação a quem nos EUA ainda resiste ao uso daqueles equipamentos de proteção. Maior desespero só quando cita a sua avó, quando a conversa remete para as suas origens, no concelho leiriense de Porto de Mós — mais propriamente a freguesia de Alcaria do lado materno e a freguesia Alvados do lado paterno. Só que, desde 2013, ambas se juntaram, para revolta da avó. “Eu sou de Alcaria, não sou de Alvaaaaados”, imita-a a neta. Mesmo sem ouvir a original, já dá para perceber que a imitação é fidedigna. |
Enquanto médica que tem estado na linha da frente contra a Covid-19, entre todas as coisas que já aprendeu sobre esta doença, qual é que gostaria de ter sabido quando lidou com o seu primeiro caso?
Olhando para trás, gostava que tivéssemos sido um pouco mais proativos no processo de educação pública sobre o quão fácil pode ser a prevenção do contágio de uma doença como estas. E isto passa por toda a gente usar máscaras e por toda a gente ser muito cuidadosa com questões como lavar várias vezes a mãos. Nesta altura, estamos a lidar com a doença muito mais facilmente e de forma mais eficaz porque estamos a aprender há vários meses. Já sabemos como se deteta, como se trata, quem é que precisa de entubação, quem é que preciso de oxigénio, etc. Ao início estávamos a aprender. |
O uso da máscara acabou por se tornar num tema central da campanha política. De um lado, o Presidente Donald Trump colocou sempre reservas em relação ao uso de máscara e a primeira vez que usou uma em público foi em julho. Do outro, Joe Biden usava até duas máscaras ao mesmo tempo. O que acha da politização deste tema?
Eu sou independente e gosto sempre de ouvir os dois lados. Mas, no que diz respeito à ciência, infelizmente isto é um problema de saúde pública que nunca devia ser politizado e que tem de ser factual. Acho que muitas pessoas criaram opiniões sem olharem para a ciência. Nós sabemos que a ciência se baseia em provas e em investigação. E toda a gente está assustada, desde as pessoas que trabalham em saúde às que não estão neste ramo. Mas há uma coisa que sabemos e que está provada — e eu sou prova disto mesmo, porque trato de pacientes com Covid-19 todos os dias há 7 meses e nunca fui infetada — é esta: usar máscara e lavar as mãos é a melhor maneira de nos protegermos. |
Assim sendo, acha que Donald Trump é responsável por essa politização?
Não quero falar de política, porque não quero ser atacada por colegas e familiares. O que eu sei é que as máscaras funcionam e há maneiras de evitarmos situações como aquela em que estamos agora. Não é ideal, é uma pena e sei que é inconveniente para muitas pessoas. Mas é algo que funciona. E, se dissermos às pessoas que uma máscara pode ser a maneira de eles, os seus familiares e todas as pessoas que eles amam evitarem dar entrada num hospital onde têm estar sozinhos entre 2 a 3 semanas, talvez nos oiçam. Claro que é preciso apoio político para passar essa mensagem. Eu tenho amigos que me dizem que não querem usar máscaras porque dizem que é uma violação dos seus direitos. Mas depois quando lhes apresentamos os factos eles percebem que isto é como usar um cinto de segurança. |
Como é que diria que a comunidade portuguesa que conhece aí, em Rhode Island, tem reagido à pandemia? Tem sido diferente da média?
Eu estou na Rhode Island Day Of Portugal [associação luso-americana com sede naquele estado] e o presidente tem cancelado todos os eventos e procura sempre explicar porquê. Porque ao darmos uma razão depois temos a oportunidade de educar as pessoas. É sempre comunicado com o objetivo de um dia podermos, em segurança, voltarmos a ter as nossas festas. |
Então tem havido um cumprir das regras por parte da comunidade luso-americana.
Sim, a 100%. Aqui em Rhode Island foi decretado o uso obrigatório de máscara há muito tempo e sinceramente quando saio à rua toda a gente está a usar máscara. Já faz parte da nossa rotina. Depois quando vejo noutros estados como a Flórida, o Texas ou a Geórgia onde as pessoas ainda se juntam em grupos e vão a discotecas é chocante. O hábito de usar máscara está tão enraizado que hoje em dia quando olho para fotografias de festas antigas digo logo: “Ó, meu Deus, ninguém está a usar máscara!”. E depois apercebo-me de que a fotografia tem um ano. Por isso, quando vejo fotografias que são mesmo de hoje em dia, penso sempre: “Vocês são normais?”. |
Estaria a favor de uma medida que decretasse a obrigatoriedade do uso de máscara em todo o país?
Se for para salvar a vida às pessoas, claro. E eu sei que é muito difícil dizer isto nos EUA, porque defendemos a liberdade, mas creio que numa situação em que estamos com outras pessoas — seja num centro comercial, numa loja ou quando passamos por alguém — então devemos usar máscara. |
O que aconteceu esta semana |
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- Biden vai pedir a todos os americanos que usem máscaras durante 100 dias
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Em entrevista à CNN, Joe Biden avançou que vai pedir a todos os norte-americanos que usem máscara durante os seus primeiros 100 dias no poder. Referindo que o anúncio será feito por ocasião da sua tomada de posse, agendada para 20 de janeiro de 2021, o Presidente eleito dos EUA falou a favor dessa medida. “No dia em que tomar posse foi pedir ao público para que usem máscaras durante 100 dias. São só 100 dias de máscara, não é para sempre. Cem dias”, disse. “E acho que vamos ver um redução significativa se fizermos isso, juntamente com as vacinas, os números vão descer consideravelmente.” |
Joe Biden confirmou ainda que tem estado em contacto com o principal epidemiologista dos EUA, o médico Anthony Fauci, e que vai mantê-lo em funções. “Pedi-lhe para ser o meu principal conselheiro médico e para fazer parte da equipa para a Covid-19”, disse, referindo-se àquele médico que está em funções na Casa Branca desde 1984 e que Donald Trump chegou a insinuar que estaria pronto despedir. |
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- Democratas cedem e estão dispostos a aprovar pacote de estímulo menos ambicioso
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Os líderes do Partido Democrata no Congresso deram sinal ao líder do Partido Republicano no Senado que estão dispostos a apoiar um pacote de estímulo à economia no valor de 908 mil milhões de dólares (749 mil milhões de euros), abrindo assim umas negociações que ficaram fechadas ainda antes das eleições. O anúncio foi feito num comunicado conjunto de Nancy Pelosi (líder dos democratas na Câmara dos Representantes) e de Chuck Schumer (líder dos democratas no Senado), naquilo que foi um recuo de uma posição anteriormente mantida por ambos, que defendiam um pacote no valor de 2,2 biliões de dólares (1,82 biliões de euros). |
Aquele pacote inclui 288 mil milhões de dólares de ajuda a pequenas empresas, 180 mil milhões para subsídios de desemprego e ainda ajuda a setores particularmente afetados pela pandemia, onde se contam 17 mil milhões de dólares para as companhias aéreas. O plano foi o resultado de negociações entre senadores dos dois partidos e tanto o líder da maioria republicana no Senado, Mitch McConnell, como o Presidente, Donald Trump, estarão a favor da sua aprovação. |