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Um tema consensual e a “pequena Amesterdão”. Sexta paragem: Sunland Park, a cidade que fez da canábis um negócio |
É um dos poucos temas em que as posições de Donald Trump e Kamala Harris se aproximam. Numa corrida marcada por uma forte polarização entre as duas candidaturas, a democrata e o republicano concordam num ponto: que a canábis deve ser legalizada nos Estados Unidos da América (EUA). Apesar de ser mais conservador do que a rival, o antigo Presidente vê com bons olhos a legalização, ainda que este posicionamento não seja transversal dentro do Partido Republicano — até JD Vance, o número dois, expressou reticências sobre a medida. |
Atualmente, cabe aos diferentes estados norte-americano optar ou não pela legalização da marijuana — quer seja para fins medicinais ou recreativos. Enquanto nos mais progressistas, como a Califórnia ou Nova Iorque, os cidadãos podem consumir e até ter na sua posse canábis, há outros mais conservadores que não o permitem, como o Alabama ou o Texas. Ainda assim, muitos fintam a lei e procuram alternativas para comprar canábis. Entre os texanos, principalmente os que vivem em El Paso, ir a Sunland Park, uma cidade no Novo México, estado em que a compra e posse daquela droga é legal, é a solução. |
Sunland Park, a apenas oito quilómetros da fronteira com o Texas e a apenas 13 quilómetros de El Paso (uma das maiores cidades texanas), é a sexta paragem do Observador pela Route 66. A cidade de 16 mil habitantes está a tornar-se um epicentro no negócio da canábis nos Estados Unidos — e transformou-se num dos motores da economia local, com lojas de venda de marijuana a abrirem a um ritmo quase diário. Tem-lhe sido atribuído, por isso, o título de “Pequena Amesterdão”, numa alusão à capital neerlandesa. |
Em três meses de 2024, Sunland Park foi a segunda cidade no Novo México em que mais se vendeu canábis: no total, foram 50 milhões de dólares (cerca de 47 milhões de euros). Os números são impressionantes, tendo em consideração a dimensão da localidade Sunland Park, que está longe de ser uma das cidades mais habitadas do estado. Apenas Albuquerque, a capital e que tem mais de meio milhão de habitantes, é que obteve uma receita maior nos meses de maio, junho e julho. |
As previsões são positivas. “Os dados que recebemos e publicamos todos os meses mostram claramente que os consumidores apoiam esta indústria. Os negócios legais de canábis trabalharam arduamente para colocar o estado no mapa no que diz respeito ao mercado legal de canábis”, afirmou ao jornal El Paso Times Todd Stevens, diretor da divisão de controlo de canábis do Novo México. Desde abril de 2022, data que a venda de marijuana foi legalizada no Novo México — controlado pelo Partido Democrata —, os lucros já atingiram os mil milhões de dólares. |
No caso de Sunland Park, uma cidade industrial envelhecida, o consumo está longe apenas de ser interno. Muitos habitantes do Texas atravessam a fronteira, compram canábis, consomem e voltam para casa. Miguel Martínez, que gere uma loja de venda de canábis na localidade, contou ao New York Times que colocou um outdoor em El Paso para que os texanos tivessem conhecimento do seu negócio. “Claro que muitos texanos vêm cá e perguntam ‘Isto é legal no Texas?’ Claro que não”, explica, acrescentando: “Não posso controlar o que cada um faz fora da loja”. |
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A história de Sunland Park mostra que, mesmo que a venda e posse até estejam proibidas em certos estados, existem formas de ultrapassar as proibições em vigor, seja através da compra e consumo noutro estado, seja pela compra ilegal no mercado negro. Este argumento é usado por vários defensores da legalização federal da marijuana, que continua a ser criminalizada. Num futuro próximo, e com um novo inquilino na Casa Branca, pode, contudo, haver mudanças a partir de janeiro de 2025. |
Na semana passada, Kamala Harris abriu o jogo e anunciou que avançaria a legalização da marijuana a nível federal. A medida é bem-recebida dentro do Partido Democrata. Aliás, a maioria democrata no Senado já tinha assinalado que avançaria com uma proposta nos mesmos moldes. Com um piscar ao eleitorado negro e masculino, a candidata disse que no X que isso iria “quebrar barreiras injustas que mantêm os homem negros e outros norte-americanos para trás”. “Garante que os norte-americanos negros têm oportunidade para serem bem-sucedidos, enquanto o mercado é moldado.” |
Existe outro bónus para Kamala Harris ao defender essa medida: distingue-se de Joe Biden, algo que tem tentado fazer durante a campanha. Ao longo do mandato, o ainda Presidente foi tomando algumas medidas, mas bastante mais comedidas do que a legalização em termos federais. Quando estava na corrida, o Chefe de Estado admitia reclassificar a marijuana, que ainda está, nos EUA, ao mesmo nível que a heroína ou o LSD. Esta medida levaria a que a canábis pudesse ser estudada para perceber os seus eventuais benefícios médicos, aliviaria as restrições em termos federais e permitiria que a indústria farmacêutica pudesse usá-la livremente na conceção de medicamentos. |
A candidata democrata quer ainda mais longe. E a estratégia, segundo vários politólogos, revela-se acertada. “A legalização federal da marijuana é uma política concreta e apoiá-la é uma decisão inteligente — não apenas entre os negros, como também entre os norte-americanos”, argumenta Cat Packer, diretora da organização Drug Policy Action, que defende o fim da “guerra às drogas”, ao The Guardian. |
Por sua vez, Donald Trump também nunca se opôs à legalização da marijuana. Ainda que não tenha anunciado publicamente que pretende expandir a medida como Kamala Harris, o republicano foi dando alguns sinais de que é a favor do uso medicinal e recreativo da canábis. Tal como Joe Biden pretendia fazer, o candidato pretende reclassificar a marijuana. Numa publicação na rede social que fundou, a Truth Social, indicou que pretende “trabalhar com o Congresso para dar luz verde às leis de senso comum” em relação a este tema. |
Nessa publicação, Donald Trump escreveu ainda que “acredita que é necessário terminar com as detenções desnecessárias de adultos com pequenas quantidades de marijuana para uso pessoal”. “Também devemos implementar regulações inteligentes, enquanto providenciamos acesso a adultos para produtos seguros e testados”, vincou o republicano, que anunciou igualmente que vai votar a favor da medida no referendo que a Florida está a organizar, a 5 de novembro (data das presidenciais), sobre a legalização da canábis no estado. |
Nem todos no Partido Republicano pensam como Donald Trump. Embora tenha havido uma viragem a favor da legalização da marijuana, há alguns republicanos que estão contra. O candidato a vice-presidente, JD Vance, já demonstrou a sua oposição à medida. No estado que representa e de que é natural, o Ohio, o senador opôs-se à legalização da canábis. “Eu quero que as pessoas possam andar com as crianças a brincar. Eu quero ser capaz de ir para o trabalho. Eu quero fazer coisas normais sem levar com o cheiro de erva na cara”, justificou. |
No Ohio, apesar da oposição pública de JD Vance, a legalização da canábis foi aprovada com 57% dos votos em novembro de 2023. E a tendência está a generalizar-se em todos os estados. Segundo uma sondagem da PewResearch de março de 2024, 57% dos inquiridos defendem a legalidade do uso recreativo e medicinal da marijuana, enquanto 32% dizem que devia ser apenas legal para uso medicinal. Apenas 11% se opõem completamente à medida. |
Dessa sondagem, há outro dado a reter: quer os inquiridos democratas, quer os republicanos manifestam-se geralmente a favor da legalização da canábis. Dentro do Partido Republicano há, no entanto, diferenças, segundo a sondagem. 57% dos republicanos liberais e moderados posicionam-se a favor da legalização da marijuana, ao passo que a maioria dos republicanos mais conservadores e ligados ao movimento MAGA de Donald Trump se opõem. |
A legalização da canábis é um dos raros assuntos em que a sociedade norte-americana parece estar de acordo. Nesta campanha para a Casa Branca, Kamala Harris aproveita-se disso e apresenta medidas mais progressistas, que até nem desagradam a muitos republicanos. Donald Trump é mais cauteloso, ainda que também não tenha pruridos em defender a medida publicamente. |
O que aconteceu esta semana? |
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- Kamala Harris foi a terreno hostil e foi entrevistada na Fox News
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Na Fox News, o canal mais à direita nos Estados Unidos, Kamala Harris enfrentou uma entrevista dura do pivô Bret Baier. O programa foi um verdadeiro sucesso de audiências — quase oito milhões de pessoas assistiram. Uma dessas ideias que a democrata fez questão de transmitir é que a sua presidência “não será uma continuação da de Joe Biden”. |
Numa entrevista mais à defensiva por causa das interrupções constantes dos dois lados, Kamala Harris não deixou de entrar ao ataque. Na mira esteve sempre Donald Trump e com um ponto em específico: as capacidades cognitivas do magnata. Esta ideia tem, aliás, sido explorada nesta última semana da campanha pelo Partido Democrata. |
“Na última década percebemos que ele [Donald Trump] é instável, perigoso e que as pessoas estão exaustas de ter um líder que prefere entrar em vinganças pessoais em vez de se preocupar com os americanos — que procura diminuir e criticar”, afirmou Kamala Harris na entrevista. |
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- Donald Trump fritou batatas fritas no McDonalds
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No estado da Pensilvânia, estado cujo sentido de voto está longe de estar definido, Donald Trump apostou numa ação de campanha diferente. O republicano foi a um restaurante do McDonald’s na Filadélfia e “trabalhou” durante alguns minutos: vestiu o avental dos trabalhadores da cadeia de fast food, fritou batatas e entregou pedidos no drive-thru. |
Acompanhado por câmaras de televisão, havendo posteriormente vários excertos partilhados nas redes sociais, Donald Trump mostrou-se entusiasmado por trabalhar no McDonald’s. Antes de entrar no restaurante de Filadélfia, destacou que “sempre quis” experimentar trabalhar no restaurante. |
Esta ida ao McDonald’s não foi inocente, ainda assim. Um dos ataques feitos pelos republicanos a Kamala Harris tem a ver com o facto de os republicanos alegarem que a democrata não trabalhou no restaurante durante a universidade, ao contrário do que diz. |