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Os partidos pequenos podem decidir o resultado das eleições? |
Perot, Nader, Stein. Fixe bem estes apelidos porque é deles que lhe vou falar nas próximas linhas e explicar, afinal, se os partidos pequenos podem ter grandes consequências no resultado das eleições presidenciais dos EUA. |
A resposta curta é esta: sim, podem. Tanto que já aconteceu. E é para aí que peço que me acompanhe, numa espécie de viagem no tempo em três atos. |
Primeira paragem, 1992. Nesse ano, George H. W. Bush procurava a reeleição — e bem certa que ela lhe chegou a parecer, olhando para o que chegou a ser a sua taxa de aprovação, que bateu nos 89% após a vitória na Guerra do Golfo da Pérsia, em 1992. Pela frente tinha um democrata que poucos conheciam chamado Bill Clinton. E outro homem chamado Ross Perot. |
Ross Perot era um homem com estrelinha. Depois de vender uma empresa no ramo da informática à IBM, ficou multimilionário. Esse estatuto deu-lhe direito a uma boa porção de atenção mediática, que ele próprio usava para alimentar o rumor de que poderia vir a ser candidato às eleições presidenciais — uma história que, mais tarde, Donald Trump viria a viver à sua maneira. Tanto que, em 1992, avançou. |
A campanha de Ross Perot assentou em dois grandes pilares: por um lado, a defesa de um Estado reduzido; por outro, a oposição ao tratado de comércio livre entre os EUA, Canadá e México, o NAFTA. |
Também aqui a semelhança com Donald Trump é notória, como se percebe por esta promessa de Ross Perot em 1992: “Temos de reconstruir o nosso grande país. Temos de fazer com que o nosso país volte a ser invejado pelo mundo. E eu não dormirei até que as palavras “Fabricado nos EUA” sejam outra vez um padrão mundial”. Num dos debates que teve com Clinton e Bush (a primeira e única vez que houve debates a três), Ross Perot cunhou uma expressão ainda hoje ouvida na política norte-americana, ao descrever o “grande som sorvedor para o Sul” — isto é, a fuga de empregos dos EUA para o México por causa do NAFTA. Durante a campanha, pagou do próprio bolso blocos de tempo de antena com cerca de meia hora para explicar, com recurso a gráficos, as suas ideias económicas — batendo as audiências de vários programas ao juntar mais de 16 milhões de espectadores. |
Como é que isto foi possível? Uma resposta possível é que Ross Perot era um homem divertido e descomprometido, que falava muitas vezes a sério, mas que, ainda assim, demonstrava uma capacidade para se rir dele próprio invulgar nestas andanças. Um exemplo disso era o título hino de campanha: “We’re crazy”. Ou, em português, “somos malucos”. |
Mas, afinal, que impacto é que Ross Perot teve nas eleições? Os factos são estes: 19.743.821 norte-americanos puseram a cruzinha no seu nome, dando-lhe o terceiro lugar com 18,9% dos votos, o melhor resultado para um terceiro partido desde o pós-guerra. George H. W. Bush falhou a reeleição, ficando em segundo com 37,4%; e Bill Clinton foi eleito com 43%. |
A partir daqui, há toda uma discussão sobre que impacto é que Ross Perot teve verdadeiramente naquelas eleições. A crença generalizada é a de que a candidatura do texano tirou a George H. W. Bush uma importante fatia do seu eleitorado. Descontente com a crise económica que marcou o final do mandato do republicano, esse eleitorado poderá ter fugido para o candidato anti-NAFTA (aprovado em 1994 e que à altura não passava ainda do papel, mas que tanto Bush como Clinton apoiavam) e libertário na economia. |
Há quem se oponha a essa crença e a descreva como um mito, mas também há quem a confirme. Ambos os lados se servem do mesmo conjunto de dados: as sondagens à boca da urna. Os que gritam “mito!” lembram que, quando questionados em quem votariam se o seu candidato não tivesse concorrido, 38% os eleitores de Ross Perot disseram que teriam votado em Bush, outros 38% disseram que escolheriam Clinton e 24% disseram que iriam para a abstenção. Os que gritam “verdade!” dizem que entre os 18,9% de eleitores de Ross Perot havia mais republicanos (6%) do que democratas (5%). |
Quem alinha com essa tese é Donald Trump, que, numa entrevista à Washington Examiner em 2015, defendeu a ideia e desconsiderou a parte da sondagem à boca da urna de 1992 que a contraria. “Acho que cada um dos votos dos 19% de Ross Perot veio de republicanos. Se Ross Perot não tivesse concorrido, nunca teríamos ouvido falar de Bill Clinton. Não tenho nenhuma dúvida quanto a isso”. |
Segunda paragem, 2000. Se podemos ver em Ross Perot uma espécie de Donald Trump antes do seu tempo, há um homem que podemos identificar como uma antecâmara de Bernie Sanders: Ralph Nader, candidato do Partido Verde em 2000 e um pequeno que levou a grandes consequências nas eleições desse ano, em que o republicano George W. Bush saiu vencedor e o democrata Al Gore foi derrotado. |
Perante um candidato democrata assumidamente centrista e moderado (era essa a marca dos democratas do Sul e Al Gore, do Tennessee, não foi exceção à regra), Nader ganhou atenção ao defender uma agenda consideravelmente à esquerda — que, hoje em dia, faz parte do léxico da ala mais progressista do Partido Democrata e nalguns casos até do mainstream. Entre as suas bandeiras estavam o ambientalismo, a saúde e a educação universais, a reforma do sistema penal, alteração das leis de financiamento de campanhas a despenalização da canábis, etc. Tudo temas em que se distanciava tanto de Al Gore e de George W. Bush — o que o levou a categorizá-los como “gémeos”, dando-lhes as alcunhas “Tweedledum e Tweedledee”. |
Iguais ou não, a verdade é que George W. Bush e Al Gore tiveram resultados muito semelhantes. E, no final, foi a Flórida que decidiu tudo nestas que foram as eleições mais renhidas de que há memória nos EUA. A contagem dos votos (que chegou a ser repetida e, depois, interrompida pelo Tribunal Supremo) colocou o republicano com mais 537 votos sobre o democrata na Flórida — quanto bastou para ser declarado vencedor. Problema: Ralph Nader, que até do seu próprio partido recebeu apelos para desistir da corrida a favor de Al Gore, manteve-se até ao fim e teve só na Flórida 97.488 votos. |
A partir de então, Nader ficou conhecido entre democratas como spoiler — algo como “desmancha-prazeres”. A última vez em que falou em pormenor sobre esse momento da História dos EUA foi numa entrevista à rádio WBUR, de Boston, em 2016. À altura, disse que as acusações de “desmancha-prazeres” eram “fanáticas” e tentou contrariá-las com outros dados para lá dos 537 votos que fizeram a diferença e dos seus 97.488 que muitos acreditam poderiam ter sido, mesmo que numa ínfima parcela, fulcrais para eleger Al Gore. |
“E o que dizer dos 250 mil eleitores democratas que votaram em Bush na Flórida em 2000? E o que dizer das tretas que distorceram uma contagem honesta dos votos na Flórida? E o que dizer de o senhor Gore não ter vencido no estado dele, o Tennessee?”, lançou nessa entrevista. Ficava claro que Ralph Nader não mudaria uma vírgula daquilo disse em 2000 depois de George W. Bush ser declarado vencedor: “Quando acreditamos que temos razão, nunca perdemos as eleições”. |
Terceira paragem, 2016. Entre os vários fatores que aparentemente atrapalhavam a possibilidade de Donald Trump vir a ser eleito, dada como remota pelas sondagens, incluíam-se os candidatos de partidos pequenos independentes. Há quatro anos, além de Donald Trump, a direita norte-americana tinha ainda duas opções: o Partido Libertário, então encabeçado por Gary Johnson, ex-governador do New Mexico; e o Independente Evan McMullin, ex-agente da CIA. O que ninguém viu é que Hillary Clinton, a candidata do Partido Democrata, também tinha problemas do mesmo género do seu lado — ou, mais concretamente, no Partido Verde e na sua candidata, Jill Stein. |
Mais do que quaisquer outros, houve três estados que fizeram toda a diferença nas eleições de 2016: a Pensilvânia, o Wisconsin e o Michigan (todos swing-states, como expliquei na newsletter anterior). E não importa dizer aqui o costume (que Donald Trump venceu em cada um desses sítios por muito poucos votos), mas antes isto: os votos que Jill Stein recebeu em cada um desses estados foram superiores à diferença entre o republicano e a democrata. Trocado por miúdos: se os eleitores de Jill Stein tivessem votado todos em Hillary Clinton, Trump não tinha chegado à Casa Branca. |
Este é mais um episódio de má memória para os democratas — e que alguns tardam a esquecer. Em 2019, Hillary Clinton acusou Jill Stein de ser um “ativo da Rússia” nos EUA — ou seja, uma espia a favor do Kremlin. E em 2020, quando chamada a falar sobre Stein e o Partido Verde, a ex-diretora de comunicações da campanha democrata de há quatro anos, Jennifer Palmieri, respondeu: “Uff… Não aguento falar disso”. |
E em 2020, os partidos pequenos vão dar que falar? |
Ao que parece, não. |
Ao Washington Post, Patrick Murray, o diretor do Monmouth University Polling Institute, um dos mais prestigiados centros de sondagens dos EUA, explica que desta vez “as eleições são claramente um referendo” centrado em Donald Trump. “Em 2016 havia tantas incertezas sobre os dois candidatos e tanta discussão sobre qual dos dois seria o pior que houve pessoas a levantar o dedo”, refere. |
Em 2020, não é bem assim. E quem o diz é uma das pessoas que levantou o dedo este ano — Jo Jorgensen, candidatada do Partido Libertário. “Quando ouvem falar de mim, as pessoas dizem ‘uau, nem sabia que havia outra opção'”, diz, ao contrário do que se passou em 2016, em que o seu partido apresentou um candidatura com dois ex-governadores e chegou perto dos 4% a nível nacional. Agora, nem ela própria acredita que em 2020 esse feito venha a ser repetido: “São umas eleições completamente diferentes”. |
O que aconteceu esta semana |
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- Trump e o livro do Woodward
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Depois de “Medo”, a “Raiva”. É esse o título do novo livro do jornalista de investigação, histórico do The Washington Post e co-autor dos trabalhos que desvenderam o caso Watergate, Bob Woodward. Ainda antes de ser publicado (irá para as livrarias esta terça-feira, 15 de setembro), o livro já deu que falar depois de terem sido divulgados excertos em áudio de algumas das 18 entrevistas por telefone entre o jornalista e o Presidente dos EUA. |
O excerto que até agora merece mais destaque diz respeito a uma entrevista de 7 de fevereiro em que Donald Trump reconhece sem reservas os perigos da Covid-19, numa altura em que em público desvalorizava a doença. “Respira-se pelo ar e é assim que [o vírus] passa. É muito complicado, é muito delicado. É ainda mais letal do que uma gripe vigorosa”, disse. “Isto é uma coisa letal.” |
Numa entrevista posterior, que decorreu a 19 de março e foi igualmente gravada, Trump admitiu que estava a minimizar propositadamente a forma como falava em público da pandemia. “Sempre quis minimizar isto, e continuo a querer minimizar, porque não quero criar pânico”, disse o Presidente dos EUA. |
Em reação à polémica causada por aquele excerto, o Presidente explicou-se a partir da Casa Branca. “Não quero que as pessoas estejam assustadas, não quero criar pânico e certamente que não vou levar o país ou o mundo a um frenesi”, disse defendendo a sua atuação contra a pandemia. Também o jornalista Bob Woodward foi acusado por outros jornalistas e não só de ter guardado aquela informação durante meses com o objetivo de vender o máximo número de cópias do seu livro. “Se eu tivesse escrito um artigo em fevereiro não estaria a dizer nada que não soubéssemos à altura”, respondeu Woodward, acrescentando que “a linha” que o levou a tomar a decisão de guardar aquela informação para o livro foi o facto de ele ser publicado antes das eleições. “Se tivesse decidido que o livro ia sair no Natal, no final do ano, isso seria impensável”, acrescentou. |
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- Senado bloqueia pacote de ajuda de 300 mil milhões
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Os senadores democratas bloquearam um pacote de ajuda federal para fazer frente aos custos económicos e financeiros da Covid-19, argumentando que este é uma versão “magra” do plano inicial. Este pacote tinha o valor total de 300 mil milhões de dólares (253 mil milhões de euros), consideravelmente abaixo dos dois bilhões (1,69 bilhões de euros) que os democratas dizem estar dispostos a aceitar. |
Para aprovar esta medida em específico seria necessária uma maioria de 60 votos, naquela câmara que conta com 53 republicanos e 47 senadores alinhados com o Partido Democrata. A votação final foi de 52 votos a favor (todos os republicanos menos Rand Paul) e 47 contra, todos democratas. |
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- Trump e Biden repudiam ataque contra polícias em Los Angeles
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No sábado, um homem negro entre os 28 e os 30 anos disparou vários tiros contra dois polícias em Los Angeles enquanto estes estavam sentados dentro de um carro de patrulha estacionado. As vítimas em causa são uma agente do sexo feminino com 31 anos e um agente do sexo masculino com 24 anos. Estão os dois fora de perigo, embora a agente de 31 anos inspire mais cuidados — foi atingida no maxilar e nos braços. |
Donald Trump partilhou no Twitter um vídeo do incidente e juntou-lhe a legenda: “Os animais têm de ser atingidos com força”. Joe Biden também reagiu, dizendo que aquele foi um crime “inconcebível”, que o suspeito “tem de ser levado à justiça” e ainda que “qualquer tipo de violência é errada”. |