“Lembro-me de ele me contar, logo nas primeiras consultas, que se lembra de cantar os parabéns e que, quando há o momento de soprar a vela e pedir o desejo, o desejo dele já era morrer.” |
Estas são as primeiras palavras de Rita Mendes Bettencourt no mais recente episódio do programa “Do Outro Lado”, publicado no domingo, 1 de setembro. A profissional de saúde mental fala de um paciente que acompanhou no início da carreira e da forma como a marcou nos anos que se seguiram – e até hoje. |
“O caso do adolescente que tinha o desejo de morrer e da psicóloga que fez tudo para o ajudar” é mais um poderoso testemunho desta série, que faz parte da secção do Observador totalmente dedicada à saúde mental. Rita Mendes Bettencourt relata as primeiras conversas com o jovem, os tempos que se seguiram, os momentos mais relevantes do tratamento e, claro, a ideação suicida que transportava desde cedo e a levou a pesquisar, informar-se, consultar colegas e encontrar nela própria as ferramentas certas para um acompanhamento eficaz e urgente – o que implicou, até, intervenções à noite ou uma consulta na maternidade, no dia do parto de um dos filhos para “agarrar aquela vida”. |
O nome completo da rubrica é “Do Outro Lado, Histórias de Quem Trata a Saúde Mental” e o que pretendemos é precisamente dar voz a psicólogos e psiquiatras que relatam as experiências impactantes de que se recordam. Como se sentem? O que viveram? Como é que aqueles casos em particular – que os próprios escolhem – lhes influenciaram a vida e carreiras? |
Falar sobre os casos desafiantes e a forma de lidar com eles é um caminho habitual entre profissionais de saúde. O apoio dos pares, a mentoria ou os grupos de supervisão – além, claro, da pesquisa exaustiva que fazem – são importantes para aprender e para encontrar as estratégias para ajudar os pacientes. As suas próprias experiências, a bagagem emocional que transportam e a forma como estabelecem ligações com os outros são também essenciais. |
O que pretendemos, nestas histórias, não é, porém, dar um contributo clínico. Não é essa a nossa função como órgão de comunicação. O que queremos, sim, é mostrar o outro lado. A pessoa para lá da bata. A pessoa que se senta na grande poltrona onde ouve os problemas alheios – enquanto ajuda a interpretá-los e ultrapassá-los. |
Desde que lançámos o Mental, em março de 2023, estas histórias em particular (pode ver todas aqui) têm tido um notável alcance junto dos leitores. A primeira, com o caso de um rapaz que jogava online 17 a 22 horas por dia, foi relatada pela psicóloga Rosário Carmona e Costa. Em setembro do ano passado, a psiquiatra Susana Sousa Almeida falou do doente com cancro que acompanhou no IPO do Porto e como o ajudou a lidar com a morte. Já tivemos casos de luto, de relações abusivas, de orientação sexual, de depressões profundas, de cuidadores, de negligência infantil, de esquizofrenia ou perturbação borderline, entre outros diagnósticos. |
Mas, mais do que as patologias ou os contextos, o que impressiona é a forma como estes profissionais relatam, de forma humana e sensível, como estas situações os moldaram. E como se tornaram melhores psicólogos e psiquiatras depois de lidarem com elas. |
Cada episódio da série b passa por um complexo processo de trabalho. A jornalista Sofia Teixeira contacta os profissionais, conversa com eles, ouve-lhes as histórias, mostra-lhes os exemplos (a maior parte já conhece a secção). Depois recebemos as propostas. Há umas que fazem mais sentido do que outras, do ponto de vista editorial. Seja para evitar a repetição de temas ou pela forma como a história ajudou aquela pessoa. Não se pretende que o caso seja maior ou mais aliciante clinicamente para o profissional do que a influência que teve no seu percurso. |
Segue-se a preparação do guião de perguntas, para garantir que a história fica bem contada pelo próprio. Para além da delicadeza da realização do Nuno Neves, a forma como a Sofia Teixeira conduz as perguntas é determinante. Há momentos que se repetem, frases que importa reforçar, outras que têm de ser encurtadas. |
E, claro, o que vem depois: transformar conversas de quarenta minutos em relatos de seis a oito é um desafio impressionante de filigrana. Importa não perder aquela pausa, aquela respiração, aquele olhar fixo numa memória que marcou aquela pessoa. |
As entrevistas “Do Outro Lado” conquistaram em novembro do ano passado o segundo lugar do Prémio de Jornalismo em Psiquiatria e Saúde Mental. Estes trabalhos foram consideradas pela Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental como um bom exemplo de divulgação de temas da área e de combate ao estigma sobre o tema – um dos objetivos que temos com a secção Mental. |
Este mês contámos a história da psicóloga Rita Mendes Bettencourt e do paciente adolescente que ajudou. No próximo mês teremos outro caso. Que, claro, já está em preparação. |