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Pela primeira vez, cientistas encontraram vestígios de microplásticos nos pulmões de seres humanos vivos. A notícia era expectável — especialmente se tivermos em conta a longa história do plástico, uma maravilha criada para facilitar radicalmente a vida humana que rapidamente perdeu o encanto e se transformou numa das maiores ameaças à preservação do planeta. Sabemos que o plástico está em praticamente tudo o que nos rodeia: no computador onde esta newsletter está a ser escrita, no aparelho onde ela está a ser lida, na cadeira onde o jornalista que a escreve está sentado, em grande parte da estrutura dos nossos edifícios e dos nossos carros, na roupa que vestimos, nos sacos e embalagens que envolvem os produtos que consumimos. A lista é longa e os números assustadores. |
Estima-se que todos os anos sejam produzidos mais de 400 milhões de toneladas de plástico, dos quais cerca de 40% servem exclusivamente para sacos e embalagens. Só cerca de 9% dos plásticos acabam por ser reciclados, 79% vão para aterros sanitários e 12% são incinerados. No fim de contas, os cientistas estimam que cerca de 8 milhões de toneladas de plástico vão anualmente parar aos oceanos. |
Perante estes números, a conclusão é inevitável: há plástico em praticamente tudo aquilo que consumimos. Em 2018, um estudo irlandês apontava para a existência de partículas de plástico em 73% dos peixes que viviam na região noroeste do Oceano Atlântico. Um mês depois, outro estudo, desta vez da autoria das Nações Unidas, revelava a existência de vestígios de plástico em 90% da água engarrafada que é vendida em todo o mundo. Mais um estudo, publicado em 2018 por investigadores austríacos, revelou a existência de vestígios de plástico nos intestinos de todos os humanos que integravam a amostra que foi objeto da investigação. Mais recentemente, um estudo inglês concluiu que os moluscos são os animais marinhos com maior contaminação por microplásticos. Também aqui, a lista de estudos científicos é longa e poderia continuar. A ciência é unânime em concluir que já é possível encontrar vestígios de microplásticos em praticamente todo o lado — e é inevitável que cheguem ao nosso corpo, o que acarreta graves riscos para a saúde humana. Estima-se, a título de exemplo, que um ser humano que consuma peixe e marisco à média europeia ingira anualmente cerca de 11 mil microplásticos. |
Agora, a comunidade científica deu um novo passo e detetou, pela primeira vez, a presença de microplásticos nas zonas mais profundas dos pulmões de seres humanos vivos. A descoberta vem adensar uma preocupação que se arrasta há vários anos, como explica, num pormenorizado artigo publicado esta quarta-feira no Observador, a jornalista Marta Leite Ferreira, que falou com a autora principal do estudo da universidade britânica de Hull, Laura Sadofsky, sobre as conclusões da investigação. “Não esperávamos encontrar o maior número de partículas nas regiões inferiores dos pulmões”, disse a cientista. |
De acordo com vários estudos publicados ao longo dos últimos anos, a comunidade científica já começa a ter uma noção do impacto que os microplásticos podem ter na saúde humana. Por exemplo, a presença de poliestireno (um tipo de plástico frequentemente usado na construção civil) no organismo humano pode causar desequilíbrios químicos com potencial para conduzir, nos casos mais graves, a situações de aterosclerose, doença de Parkinson ou de Alzheimer. Noutros casos ainda mais graves, foram detetadas perturbações e danos na própria estrutura do ADN humano devido à exposição aos microplásticos — além, naturalmente, da significativa possibilidade de problemas respiratórios, incluindo asma, pneumonia ou bronquite. E, com a produção de plásticos em grande subida no contexto da pandemia da Covid-19 (basta pensar na quantidade de máscaras e produtos descartáveis que precisámos de usar), o problema só tende a piorar. |
Alterações climáticas aumentam risco de futuras pandemias |
A pandemia da Covid-19, que paralisou o planeta durante quase dois anos, poderá ter sido apenas o mais recente episódio de uma realidade que veio para ficar. De acordo com um estudo publicado na semana passada na revista Nature, as alterações climáticas vão ser responsáveis por acelerar a disseminação de milhares de vírus entre espécies de mamíferos, o que aumentará significativamente a probabilidade de um deles chegar aos humanos e dar origem a uma pandemia — tal como aconteceu com o coronavírus. |
O aquecimento global levará, no médio prazo, ao aumento das temperaturas em todo o globo terrestre, o que significa que o clima atualmente registado nas regiões tropicais vai lentamente mover-se em direção aos polos. À medida que as condições climáticas nos trópicos se vão tornando hostis para a vida animal, várias espécies vão também migrar em direção a norte e a sul, em busca de habitats mais amigáveis. “Sabemos que as espécies se estão a mover, e quando o fazem têm a possibilidade de partilhar vírus”, disse o biólogo americano Colin Carlson, um dos autores do novo estudo, citado pelo The New York Times. |
Estas migrações vão levar a que diferentes espécies entrem em contacto entre si pela primeira vez — o que acarreta um risco real de transferência de vírus que anteriormente não se haviam espalhado. A equipa de investigadores fez os cálculos e simulou essas transferências de modo concreto: ao longo dos próximos 50 anos, deverão registar-se mais de 4 mil transferências de vírus entre as 3.139 espécies analisadas pelos cientistas. Nem todos eles vão originar pandemias. No entanto, o grande aumento da circulação de vírus entre espécies torna muito mais provável que se repita aquilo que aconteceu em 2019 quando o coronavírus SARS-CoV-2, que circulava em espécies de animais vendidos no mercado de Wuhan, na China, infetou pela primeira vez um ser humano e deu origem a uma pandemia que a humanidade dificilmente esquecerá. |