O país político e mediático tem-se entretido nos últimos dias a discutir as declarações infelizes do Presidente da República, as incompatibilidades no Governo, se o que lá vem é austeridade ou crescimento moderado e, nas últimas horas, se Passos Coelho vai ou não candidatar-se a Presidente daqui a 4 anos.

Enquanto isso, num país que por acaso é o nosso, a frieza dos números diz tudo. À porta de um ano ainda mais difícil do que os anteriores, a realidade dos portugueses é trágica.

Em 2020, quatro milhões e meio de portugueses tinham rendimentos abaixo dos 554 euros mensais, vivendo, portanto, em situação de pobreza. Portugal é agora o 13.º país mais pobre da União Europeia.

As ajudas do Estado fazem este número diminuir para um milhão e novecentos mil. Todos os outros precisam de subsídios para subirem do patamar de muito pobres para aquilo a que tecnicamente se chama limiar da pobreza.

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Olhar para os dados publicados pela Pordata dá-nos um triste retrato da nossa realidade: a maior parte destas pessoas são famílias com filhos, Portugal é o segundo país da Europa com piores condições de habitação e, com a subida da inflação, prevê-se que tudo isto vá piorar.

À luz destes números, percebe-se o ridículo da discussão dos últimos dias e a irresponsabilidade de todos os que exercem funções políticas. Será que com quatro milhões e meio de pobres num país de dez milhões é possível ou aceitável que os responsáveis políticos tenham tempo a perder com politiquices ou comentários infelizes? Não será este o tema mais importante e urgente a ser abordado pelo Presidente da República nas inúmeras intervenções que faz ao longo de cada dia? Face a estes números, não é dever do Chefe de Estado pedir contas ao Governo sobre o que tenciona fazer para alterar este estado de coisas? Acho que estaria aqui um bom espaço de intervenção para Marcelo Rebelo de Sousa neste seu segundo mandato.

Os trágicos números divulgados pela Pordata obrigam-nos a um choque com a realidade. A discussão sobre se estamos ou não a regressar à austeridade é uma discussão ao lado. No país como na vida de cada um de nós, os sacrifícios podem justificar-se se são para alcançar objetivos que melhorem a nossa vida. A verdade é que os tempos duros de austeridade que vivemos no tempo da Troika deixaram o país pronto para retomar um caminho mais auspicioso, com capacidade de crescimento e de eliminar bloqueios que impedem o nosso desenvolvimento. A oportunidade, mostram-no estes números, foi desperdiçada.

Agora, vêm lá novos sacrifícios para todos, mas qual é o horizonte? Alguém vislumbra neste orçamento ou nos discursos do Governo algum objetivo dinamizador? O PS pôs na rua um novo cartaz com a mensagem: “Juntos seguimos e cumprimos”. Seguimos para onde e cumprimos o quê?

Infelizmente, o que vemos, ano após ano, é que estamos a seguir para o abismo e que o Governo não faz a menor ideia de como vai contrariar esta situação. A alergia de António Costa à palavra reforma já tem como resultado o número estratosférico de quatro milhões e meio de pobres.

A pobreza é inimiga da democracia. As democracias são supostamente a melhor forma de trazer prosperidade aos povos, e quando assim não é, é o próprio regime que fica em causa.