O dia 24 de julho de 2024 ficou marcado por três discursos que se encarregarão de fazer desta data uma referência histórica. Sendo certo que esses discursos tiveram lugar no mesmo país, os Estados Unidos da América, a afirmação pode parecer excessiva, mesmo levando em linha de conta a circunstância de a Terra do Tio Sam ser a potência liderante da Ordem Liberal. No entanto, no Mundo de Múltiplas Ordens em construção, esses discursos ecoaram muito para lá do Ocidente, como se verá de seguida. Uma análise que respeita a ordem cronológica dos discursos.

Assim, o primeiro discurso, proferido por Benjamin Netanyahu, apesar de pensado para uma conjuntura diferente daquela que os Estados Unidos estão a experienciar, não se limitou a ser uma forma de agradecimento por parte do líder israelita ao apoio que lhe tem sido concedido pela Administração Biden. Netanyahu soube seguir o exemplo de Zelensky e, após criar o clima emocional propício, servindo-se designadamente da presença de reféns e do relato de um caso de sucesso, agradeceu o apoio recebido, mas fez questão de deixar claro que o mesmo revertia, sobretudo, para a garantia de segurança dos Estados Unidos.

Zelensky criou, desde o início da invasão russa, a imagem de que a Ucrânia estava a lutar não apenas para manter a sua independência, mas para garantir a integridade territorial do Ocidente. Uma luta feita pela defesa da democracia, embora omitindo que a Ucrânia nunca conheceu esse regime

Netanyahu fez da luta pela sobrevivência de Israel um passo necessário para que os Estados Unidos não viessem a ser confrontados com a agressão do Irão, recusando qualquer responsabilidade decorrente do elevado número de baixas civis.

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Quanto ao segundo discurso, proferido por Trump na Carolina do Norte, um dos Estados que precisa de conquistar para regressar à Casa Branca, representou o virar da agulha das acusações a Joe Biden para Kamala Harris, a provável adversária na corrida presidencial cujo nome pronunciou repetidamente de forma incorreta. Uma forma de pôr implicitamente em causa a sua condição de americana devido às origens dos progenitores. Alguém que Trump acusou, ad nauseum, de ser mentirosa, utópica e radical e, obviamente, um perigo para a democracia. Quanto à sua responsabilidade no maior atentado contra essa mesma democracia que diz respeitar e defender, nem uma palavra.

Finalmente, o terceiro discurso mostrou um Joe Biden amargurado, mas com a consciência de que não lhe assiste o direito de explicitar publicamente a sua amargura, principalmente para com os barões e os financiadores do partido. Por isso, limitou-se a dizer que sentia ter condições para derrotar Trump, mas que percebia que o Partido Democrata queria dar lugar a novas vozes. Não se esqueceu de lembrar o ativo do seu mandato e as dificuldades que se viu obrigado a enfrentar, mas percebeu que a honra de ter servido como Presidente exigia o sacrifício da renúncia ou da desistência. Transmitiu a tocha a Kamala Harris, a quem endossou o apoio que, há quatro anos, gostaria de ter recebido de Barack Obama, em nome da defesa da democracia. Prometeu continuar até ao fim e manter-se fiel à linha traçada, tanto no que diz respeito à política nacional como internacional.

Para que conste, Joe Biden não mencionou uma única vez o nome de Donald Trump. Não porque o curto tempo do discurso não o tivesse permitido, mas porque desde há muito que percebeu que dar palco a um populista apenas serve os interesses deste.

O Mundo não para e haverá tempo e local para muitos discursos. Porém, raras vezes se alguma, houve três discursos no mesmo dia com um impacto que extravasa fronteiras.

Em 1963, em Berlim, à frente da prefeitura de Schöneberg, John F. Kennedy assumiu que era um berlinense. Em 24 de julho de 2024, colada aos televisores, uma parte considerável do Mundo livre assumiu que era estadunidense. Independentemente das desavenças. Em nome da Liberdade!