Se o 25 de Abril de 1974 marcou o fim de uma longa ditadura, a Revolução dos Cravos, o 25 de Novembro foi o momento que garantiu a consolidação do sistema democrático que hoje define Portugal como uma democracia liberal europeia. Longe de ser um desvirtuamento dos ideais de Abril, este evento foi o complemento necessário para assegurar a pluralidade política, os direitos fundamentais e o alinhamento com os valores democráticos ocidentais.

A revolução de 25 de Abril de 1974 liderada pelo Movimento das Forças Armadas (MFA) pôs fim a quase meio século de ditadura salazarista e, com isso, iniciou um processo de transição para um regime democrático. Contudo, o pós-revolução revelou-se um período de enorme instabilidade, marcado por tensões ideológicas, lutas de poder e a redefinição do papel das instituições do Estado, vulgarmente designado por PREC (Período Revolucionário em Curso).

A revolução abriu portas a um espectro político amplo, que ia de conservadores a comunistas, refletindo os diferentes interesses e aspirações de uma sociedade há muito reprimida. Essa pluralidade trouxe não apenas vitalidade democrática, mas também conflitos sobre a direção a tomar. Entre os setores militares e civis, surgiram visões divergentes: alguns defendiam uma democracia pluralista, enquanto outros, inspirados por modelos como o soviético ou cubano, vislumbravam um caminho socialista radical.

O conflito atingiu o seu auge em 1975, particularmente no chamado Verão quente, com sucessivos golpes e contragolpes, ocupações de terras e empresas, e um ambiente de crescente incerteza económica e social. O 25 de Novembro foi essencialmente uma resposta às tentativas de setores mais radicais das Forças Armadas e da sociedade civil de implementar um modelo político que ameaçava a pluralidade democrática.

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Em Novembro de 1975, um grupo de militares de orientação mais próxima à extrema-esquerda, liderados por setores do COPCON (Comando Operacional do Continente), tentou efetuar uma inversão no rumo político, aproximando-o de um modelo socialista de partido único. A resposta veio de outro setor das Forças Armadas, liderado por figuras como António Ramalho Eanes e Jaime Neves, que viam a necessidade de travar o que consideravam uma deriva autoritária. Este grupo procurava restaurar a ordem democrática prometida pelo 25 de Abril, garantindo que Portugal seguisse um caminho de pluralismo e respeito pelas liberdades individuais.

O desfecho foi a vitória das forças moderadas. O confronto militar, embora limitado em termos de baixas, foi decisivo para reafirmar que o futuro político de Portugal deveria ser construído em torno de um modelo democrático representativo, afastando o espectro de regimes unipartidários.

Longe de contradizer os ideais do 25 de Abril, como a esquerda radical quer hoje fazer crer, o 25 de Novembro complementou-os, oferecendo uma estrutura política mais estável para que os valores da revolução pudessem florescer plenamente. A liberdade, a igualdade e a solidariedade que marcaram o espírito de Abril encontraram, no 25 de Novembro, os alicerces institucionais que lhes permitiram perdurar.

O 25 de Novembro garantiu que Portugal não fosse capturado por qualquer ideologia única. Isso foi fundamental para a criação de um sistema político onde partidos de diferentes orientações ideológicas pudessem coexistir e competir em eleições livres. Esta pluralidade assegurou o respeito pela liberdade de expressão e o Estado de direito, pilares de qualquer democracia plena.

A transição iniciada em 1974 encontrou, após 1975, um terreno mais fértil para a construção de instituições sólidas. A Constituição de 1976, embora nascida sob a influência da esquerda, consagrou os direitos fundamentais, estabeleceu a separação de poderes e definiu um modelo de economia mista, equilibrando as conquistas revolucionárias com os princípios da democracia ocidental. A reforma Constitucional de 1982, por seu turno, que ditou a extinção do Conselho da Revolução, vieram afirmar uma democracia liberal, em que a instituição militar responde ao poder político democraticamente eleito, sem reservas.

Hoje, Portugal é reconhecido como uma democracia  consolidada, membro pleno da União Europeia e da NATO. Este percurso não teria sido possível sem os eventos de Novembro de 1975, que evitaram uma possível deriva autoritária e garantiram um espaço de liberdade e pluralidade. O equilíbrio entre o socialismo democrático e o liberalismo político, que caracteriza a democracia portuguesa, é uma das heranças diretas desse momento histórico.

O 25 de Abril e o 25 de Novembro não são antagónicos, mas sim dois lados da mesma moeda. O primeiro abriu as portas para a liberdade, o segundo garantiu que esta pudesse florescer. Sem Abril, não haveria espaço para o debate democrático; sem Novembro, esse debate poderia ter sido esmagado.

Que o Partido Comunista Português não queira comemorar o 25 de Novembro, é expectável, afinal nunca foi uma força democrática e figurou entre os principais derrotados daquele dia. Agora, querer fazer do 25 de Novembro uma vitória da direita é querer reescrever a história, o que é, aliás, apanágio de regimes russófilos. Os principais protagonistas do 25 de Novembro e dos primeiros anos de democracia, foram, aliás, homens reconhecidamente de esquerda, mas sobretudo moderados que nunca quiseram abdicar de uma democracia plural, como o caso dos Generais Ramalho Eanes e Jaime Neves ou do dr Mário Soares, todos eles reacionários, segundo a anacrónica cartilha comunista. O que não deixa de ser estranho é o Partido Socialista permitir um aproveitamento político de vários setores da direita, que, tendo apoiado o 25 de Novembro, não foram os seus protagonistas.

É justo atribuir ao 25 de Abril um papel de destaque no contexto da construção democrática, pois esse foi o dia que pôs fim a 48 anos de ditadura, que efetivamente ocorreu, ao passo que o 25 de Novembro nos salvou de um regime ditatorial comunista, que, felizmente, não chegou a ocorrer. Acresce que o 25 de Abril é reconhecido por vários cientistas políticas como o tiro de partida da terceira vaga de democratização do mundo. Mas minorizar o 25 de Novembro ou contrapor as duas datas constitui um revisionismo histórico intolerável ao serviço de interesses antidemocráticos.

Ao celebrar o 25 de Novembro, celebramos a maturidade política de um povo que soube, em momentos de grande tensão, reafirmar os princípios fundamentais da democracia como a tolerância e o pluralismo. Portugal é hoje uma nação livre, moderna e europeia graças à combinação destes dois eventos únicos, e todos os moderados as devem celebrar, da direira à esquerda.

Viva o 25 de Abril de 1974!

Viva o 25 de Novembro de 1975!

Viva a Democracia!