Em Junho, na segunda volta das eleições legislativas, o partido de Macron fez alianças em vários círculos eleitorais com candidatos socialistas e dos Verdes, para evitar a vitória do partido de Le Pen. Apesar do Rassemblement National ser o partido com mais deputados, Macron conseguiu os seus objectivos. Mas o preço foi elevado: a frente de esquerda ganhou as eleições. A complicação para Macron não são, como vimos, os socialistas e os Verdes. O grande problema é a França Insubmissa, o maior partido da coligação das esquerdas. Macron não poderia aceitar um governo apoiado pela França Insubmissa porque iria tentar mudar as suas reformas principais: no mercado laboral e na idade da reforma.

Pelo meio, comportou-se como um Presidente autoritário com pouco respeito pelos resultados eleitorais. Eu considero que um governo apoiado pela França Insubmissa seria um desastre para a França. É um partido anti-democrático, contra a União Europeia e a NATO, apoiante de Putin e do Hamas e aliado do radicalismo islâmico francês. Mas a verdade é que muitos franceses votaram nesse partido e faz parte da coligação vencedora das eleições. Macron deveria ter nomeada PM a candidata da frente de esquerda e depois logo se veria o que aconteceria no Parlamento. Não compete ao PR substituir os deputados. É o grande problema das linhas vermelhas: enfraquece a democracia. Muitos nas esquerdas apoiaram as linhas vermelhas contra a direita de Le Pen, mas agora discordam das linhas vermelhas contra a França Insubmissa. Em nome da democracia, sou contra ambas.

Macron tentou que o Partido  Socialista se separasse da França Insubmissa e dos comunistas e apoiasse um governo juntamente com a sua coligação centrista e liberal e com os Republicanos. Seria a versão central de um bloco central ou de uma grande coligação. Não conseguiu porque os socialistas continuaram aliados às esquerdas.

Macron virou-se assim para o seu plano B, para uma coligação do centro liberal e das direitas. Mas, para o fazer, foi obrigado a destruir as outras linhas vermelhas que tinha levantado em Junho, contra o partido de Le Pen. A fragmentação da política francesa não aguenta duas linhas vermelhas simultâneas. Há linhas vermelhas contra a extrema-esquerda ou contra a direita radical populista. Macron escolheu aliar-se a Le Pen. Só assim foi possível nomear como PM Michel Barnier dos Republicanos. Sem Le Pen, não havia maioria parlamentar. A frente de esquerda vai apresentar uma moção de censura contra o governo de Barnier, a qual será rejeitada por uma maioria que vai da coligação centrista e liberal de Macron aos Republicanos e ao partido de Le Pen.

Para agradar aos respectivos eleitorados, Macron e Le Pen não assumem a aliança que fizeram e não haverá membros do Rassemblement National no governo. Mas a aliança existe e é ela que assegura o governo de Barnier. O tempo dirá quais são os termos do entendimento. Mas desconfio que Le Pen aceitará as reformas de Macron, as políticas de Barnier para diminuir o défice, e o apoio à Ucrânia e, em troca, o novo governo terá uma política muito mais forte e agressiva contra a imigração ilegal e na segurança interna, sobretudo contra os grupos radicais islâmicos. Noutras matérias continuará a haver desacordos, sobretudo em políticas climáticas, de transição energética e de comércio externo.

Neste momento, em França, há o que o vocabulário político português poderia chamar uma geringonça de direita. A doutrina das esquerdas portuguesas é de que um governo é legítimo desde que tenha uma maioria parlamentar. Em princípio, será esse o caso com o governo de Barnier.

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