Não exagero se afirmar que o PAN é, provavelmente, o partido mais interessante do Parlamento. Não me interpretem mal, não o digo como um elogio. Sucede que o PAN tem protagonizado, mais até do que o Bloco de Esquerda, uma forma nova e desconcertante de fazer política, à qual temos de nos habituar, porque encarna algo do espírito e dos vícios da pós-modernidade.
O PAN diz-se o único partido verdadeiramente completo, porque tem em conta “o bem das pessoas, dos animais e da natureza”. Tragicamente, as suas propostas são ininteligíveis para bichos e plantas e brutalmente bizarras para a larga maioria das pessoas.
Após três anos de actividade parlamentar, vamos conhecendo as suas prioridades: isentar de IVA as terapias alternativas, aumentar o imposto sobre a banha de porco e as balas de caça; oferecer copos menstruais reutilizáveis no SNS, oferecer bebidas vegetais às crianças do primeiro ciclo; desviar fundos da agricultura para pequenas explorações biológicas; consagrar a Terça-feira de Carnaval como feriado. Finalmente, na semana passada, o deputado único do partido protagonizou uma divertida rábula acerca do IVA do leite achocolatado e da “todo-poderosa indústria do leite” (sic).
A coisa é engraçada e ajuda a entreter, até ao momento em que perturba. É verdade que nem os mais irascíveis conseguem irritar-se numa discussão sobre leite achocolatado, mas qualquer cidadão perde a cabeça quando percebe que os seus representantes se ocupam a discutir matérias deste teor.
Por outro lado, como o PAN diz não ter ideologia, é difícil sistematizar o seu pensamento. Por exemplo, enquanto ouvia o deputado André Silva dizer que o leite achocolatado era “um veneno”, julguei poder concluir que o PAN se opunha aos venenos em geral. Eis, finalmente, um princípio sólido no qual me revia. Sucede, porém, que o PAN só é contra o veneno quando ele é metafórico. E por isso, coerentemente, quer legalizar a eutanásia, advogando, inclusivamente, que uma pessoa em sofrimento físico ou psíquico possa ser comodamente morta no domicílio. O PAN diz que a eutanásia não cria “a ideia de que há vidas que são dignas de serem vividas e vidas indignas de serem vividas”. Claro que não. À população saudável, o PAN desaconselha até o leite com chocolate. À população doente, quer disponibilizar veneno a sério.
Numa entrevista de 2015, André Silva dizia que “há características mais humanas num chimpanzé ou num cão do que numa pessoa que está em coma”. O deputado explicava depois que o conceito de pessoa deve ser definido em função da capacidade de sentir, pensar e interagir e que os animais, por conseguirem sentir dor e relacionar-se com outros seres, estavam mais habilitados a este estatuto do que um acamado.
Esta é também a visão do filósofo britânico Peter Singer, que se notabilizou por considerar que o Homem é apenas um animal e que deve ter um estatuto moral semelhante ao das outras espécies. Singer, que é vegetariano e um dos mais reputados proponentes da libertação animal, entende que “o facto de que um ser é um ser humano, no sentido de ser membro da espécie Homo Sapiens, não é relevante para determinar se é errado matá-lo; o relevante são características como a racionalidade, a autonomia e a autoconsciência” (Practical Ethics, 1979). Singer defende depois que pode ser moral tirar a vida a uma pessoa em coma ou a um recém-nascido com deficiências.
Não quero ser injusto com André Silva ou com o seu partido. Estou certo de que a maioria dos eleitores do PAN nunca leu Singer e de que mesmo o seu deputado, que o cita abundantemente para defender a eutanásia, não acompanha as consequências mais radicais do seu pensamento. Porém, vejo inúmeros perigos num partido que não reconhece a transcendência da vida humana e que pretende medir humanos e animais pela mesma bitola. O PAN opõe-se à inseminação artificial das vacas leiteiras, mas apoia o alargamento da procriação medicamente assistida; condena a reprodução animal em contexto industrial, mas não suspeita que a legalização das barrigas de aluguer possa ser uma forma de exploração das mulheres; quer que o Código Civil reconheça a existência de “pessoas não-humanas”, mas não reconhece direitos a um humano não-nascido.
Nada disto é razoável, nem coerente, nem moderado. Mas serve bem aos tempos que vivemos e, por isso, ninguém o denuncia.
Estudante de ciência política, 21 anos