Quantas vezes vamos na rua e observamos carros parados em segunda fila que estão a bloquear o trânsito, “só um minutinho para deixar qualquer coisa”?
Quantas vezes seguimos nos passeios e vemos um cão largar um dejecto sem que o seu dono tenha o cuidado de estar atento para o recolher? Ou, pior, estando atento, vira a cara para o outro lado para não ter de limpar depois do seu cão?
Quantas vezes vamos a circular num passeio e vemos a passadeira (ou mesmo o passeio todo) ser bloqueada por um automobilista que entende simplesmente “largar” o carro dele naquele sítio?
Quantas vezes queremos sair de casa ou abrir uma janela e não conseguimos porque alguém resolveu fazer daquele um espaço para cargas e descargas?
Quantas vezes vemos posters serem afixados em paredes ou caixas de electricidade anunciando todo o tipo de propaganda, da mais comercial ao mais política ou sindical, sem qualquer respeito pelo ruído visual que provoca?
Quantas vezes vemos pessoas a danificarem parques infantis ou mobiliário urbano, sem qualquer respeito pelas crianças, jovens e séniores a quem esses equipamentos estão destinados para um uso regular?
E quantas vezes tentámos ter uma acção cívica construtiva, de boa vizinhança, procurando desaconselhar quem toma estas e outras iniciativas para tentar impedir a destruição da nossa qualidade de vida, para na resposta sermos insultados, ameaçados e mesmo intimidados?
Na nossa vida quotidiana, sentimos frequentemente uma enorme frustração pelo facto de nos confrontarmos, em plena capital europeia no século XXI, com a ideia de que se calhar vivemos numa qualquer fronteira do faroeste, sem lei e sem autoridade, entregues a nós próprios e a alguns que se tornam “selvagens” e destroem o que o trabalho de alguns e o dinheiro de todos ajudou a construir.
Uns dirão que a culpa é de uma Justiça lenta, outros dirão que a culpa é das forças policiais – mas a verdade é que não conseguiríamos ter nem tribunais suficientes para julgar todos estes pequenos casos diários, nem polícias em todas as esquinas para actuarem a qualquer momento. E assim, continuamos a assistir a uma minoria a destruir a qualidade de vida de todos nós.
Significa isto que estamos perante uma fatalidade e que nada nos resta senão aceitar e encolher os ombros? Nem pensar. Não acredito que seja este o caminho, que baixar os braços e esperar que passe seja solução para alguma coisa.
Pelo contrário, acredito que a comunidade tem capacidade para reagir e que as forças de segurança têm de estar disponíveis para fazer parte dessa reacção.
Para isso, os órgãos eleitos pelos cidadãos têm de apresentar soluções que permitam às pessoas responder. Para que a comunidade possa recuperar o seu espaço público e desencorajar activamente aqueles que atentam diariamente contra as regras da vida em sociedade e contra a qualidade de vida de todos nós.
A História dá-nos exemplos, casos práticos com os quais aprendemos, de respostas colectivas a problemas identificados apenas com alguns. Na década de sessenta do século passado, nos Estados Unidos, várias comunidades uniram-se contra a segregação racial que algumas minorias promoviam. Chamaram a esse movimento Acção Afirmativa, já que pretendia uma união de todos para, sem violência e no estrito cumprimento da lei, promoverem uma intervenção cívica positiva, de dinâmica comunitária para garantir a integração.
Nos nossos dias, em Lisboa, a matéria não é racial, mas é de educação cívica e cultural. É tempo de lançarmos a nossa Acção Afirmativa, recuperar a partilha e o respeito pelo espaço que é de todos, pelo espaço público. É tempo de nos unirmos para parar com este flagelo de a falta de civismo de alguns afectar a vida de uma comunidade inteira.
E tudo tem de começar, não com discursos bonitos, mas com acções concretas no terreno, cada um à sua escala e na medida das suas responsabilidades. Pelo meu lado, propus-me dar um primeiro passo neste movimento. Na Estrela estamos a lançar uma plataforma destinada especificamente a identificar e reportar todas as situações que geram insegurança ou desconforto, para denunciar todos os que sistematicamente não cumprem a lei e desrespeitam os seus iguais.
Este será o nosso contributo para a Acção Afirmativa na nossa comunidade, para que todos compreendam que as regras existem porque somos muitos a viver num espaço muito pequeno. Se em nossas casas propomos e cumprimos regras para que as famílias vivam em harmonia, porque é que quando alguns saem às ruas optam por não cumprir as regras que permitem que a comunidade possa fazer o mesmo?
A impunidade – que diminui a qualidade de vida de todos no dia a dia, que gera revolta em quem cumpre as regras, que limita o nosso bem estar geral e, no fundo, trava o nosso progresso como sociedade – não é uma fatalidade. Como noutros tempos a segregação também não o foi. Mas nada acontece sem acção. É preciso mexermo-nos.
Porque o oposto da impunidade – o civismo – significa mais do que apenas boas maneiras. Com o civismo, que não custa nada, consegue-se tudo. O civismo é como o cimento de uma sociedade: mantém-na forte e coesa.
Luís Newton é conselheiro nacional do PSD, membro da Comissão Política Concelhia do PSD/Lisboa e Presidente da Junta de Freguesia da Estrela