Era uma vez um português que gostava do (ainda) “milagre atlântico” feito de nove ilhas chamadas Açores. Nesta Europa pejada de indústria turística crescentemente globalizada, os Açores são por enquanto algo diferente, oferecendo um produto turístico de serenidade feito de natureza. Esse português, depois de muitas visitas, decidiu então ser “empreendedor”, seguindo o novo paradigma da língua portuguesa pré-resiliência e oligarca. Empreendeu então na aquisição de um terreno numa das ilhas mais improváveis do Arquipélago. O terreno continha uma ruína em pedra e as chamadas “curraletas” tão típicas de várias ilhas açorianas. Entusiasmado, o “empreendedor” pensou na recuperação das ruínas e de todo o espaço circundante, mexendo o menos possível mas “tocando” necessariamente em alguns detalhes de forma a torná-lo funcional e abrindo o espaço a visitantes e turistas através de um “empreendimento” em espaço rural. Para tal, dada a disponibilidade de vários sistemas de apoio comunitários como o “Competir +”, agora reforçados com verbas do chamado “plano de recuperação e resiliência” (ainda pouco visto), o “empreendedor” candidatou-se ao cofinanciamento nesse seu projecto, parte do qual pago do seu bolso.

Julgava o “empreendedor” que, dada a marginalidade da ilha em causa e a parca existência de economia local, reconhecidas pelas políticas e apoios comunitários a favor das regiões periféricas, complementadas agora pela dita “bazuca” de “recuperação e resiliência” pós-Covid, recuperar ruínas e baldios transformando-os em espaços vivos para atrair visitantes seria opção bem recebida e incentivada.

Foi nesse pressuposto que o “empreendedor” procedeu a levantamentos topográficos, projectos de arquitectura para recuperação de ruínas e currais, limpeza de terrenos, orçamentos proforma e um sem número de justificações e argumentações, num vastíssimo processo de candidatura organizado por uma empresa de consultoria regional. O processo foi concluído e apresentado ao governo regional, passando por vários corredores pejados de burocratas regionais, em repartições com múltiplas siglas, cada uma com o seu director regional, atolados em pareceres e opiniões, todos eles sem prazo. O “empreendedor”, que pagou e fez a sua parte, esperou, assistindo “resilientemente” à subida vertiginosa dos preços de construção dos últimos meses, resultado da invasão da Ucrânia, da inflação e, em vários casos, da especulação.

Os avisos, entretanto, foram caindo sobre o “empreendedor”: não te animes, não te iludas, porque o processo ainda vai passar pelo Turismo regional e é da tradição surgirem, tarde ou cedo, bloqueios. E no governo regional dos Açores a tradição ainda é o que era.

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A massa de burocratas regionais decidiu então dar o passo provando assim a sua existência (sustentada pelo contribuinte continental): que o projecto, por ter de ocupar uma pequena parte dos currais, não preservava o património; que o espaço exterior era “genérico” (naturalmente por estar ainda ocupado por mato); que o forno a lenha a reconstruir não tinha “acesso pelo interior” e que deveria ser integrado no espaço de confeção do alojamento (pasme-se); que o mobiliário de interior era inadequado; que uma casa de banho não deveria estar ao fundo mas 5 metros antes…

A intromissão da administração pública açoriana sobre o “empreendedor” e o seu projecto, pronunciando-se sobre questões de cobertura legal duvidosa, caindo na subjectividade opinitiva dos burocratas, famintos de existir e de o provarem, mata vontades e mata a economia. É o Estado “empata” que os nossos políticos ajudaram a criar durante décadas, que tudo quer regular apenas porque entende que assim se torna imprescindível.

O “empreendedor” até pode teimar e contra-argumentar, solicitando a sustentação normativa para as “opiniões” da administração açoriana. Mas não quer. Se for estrangeiro, escolhe outro país. Se for português, deixa cair e desiste. E este Estado, o dos burocratas do bloqueio, vence.

Quem perde verdadeiramente são os Açores, 2/3 dos quais “poluídos” por construções inenarráveis de mau gosto mas misteriosamente licenciadas ou “enfeitados” por ruínas, habitações devolutas e baldios.

Estou certo que este Estado continuará a crescer, acompanhando a burocratização nacional tão a gosto da esquerda socialista do “mais e pior Estado” e as políticas públicas do “achómetro” que tudo querem regular.

Quanto ao “empreendedor” virtual, esse empreenderá no desabafo.