As inovações da Quarta Revolução Industrial, nomeadamente as novas tecnologias, como a inteligência artificial, o 5G, a robótica, a nanotecnologia, e muitas outras, têm o enorme potencial de responder aos desafios sociais, económicos e ambientais deste século. Esta visão, de investimento sustentável em desenvolvimentos tecnológicos, está evidente nos vetores orientadores para a política social e económica dos próximos anos, identificados pelo Fórum Económico Mundial.

Felizmente, a nível global, o paradigma tem vindo a alterar-se, de forma relativamente generalizada, ora através de uma maior propensão dos mercados e da sociedade em geral para a adoção de novas tecnologias, ou, até, pela inclusão de critérios de sustentabilidade nas decisões de investimento. Temos assistido a dinâmicas extremamente interessantes ao nível da realocação de capital para a área de desenvolvimento tecnológico e alterações no comportamento dos investidores que, agora, mais que nunca, parecem abraçar o conceito inicialmente introduzido por Larry Fink (CEO da BlackRock, maior gestora de fundos do mundo) de investimento sustentável, outrora (entenda-se 2018) recebido com discórdia e desagrado pelos mercados globais.

Podemos, e devemos, ser otimistas. Não só pelas tecnologias que estão agora a chegar ao nosso quotidiano, mas também por aquilo que há-de vir. Mas não nos podemos iludir. A tecnologia traz preocupações ao nível da competição, privacidade, segurança, até da própria democracia, entre muitas outras. O impacto da tecnologia é tremendo e global, com repercussões ao nível da geopolítica mundial. Potências mundiais (um termo em tempos reservado a países, mas que hoje se aplica a uma mão cheia de empresas) usam a tecnologia para exercer poder e influência política. Quem adivinharia que um projeto de uns tantos empreendedores, num dormitório algures do outro lado do Atlântico, viria a ser o ator principal de controvérsias mundiais em torno da manipulação política, privacidade, fake news ou discursos de ódio? Quem adivinharia, dez anos atrás, que hoje uma empresa destas usaria o termo “permitir” enquanto justificação para banir um presidente das suas plataformas; quase como se fosse uma entidade superior à própria presidência. Estamos a assistir ao ponto alto do poder das tecnológicas sobre a (liberdade de) expressão. Independentemente de podermos concordar, ou discordar, com esta tomada de posição em específico, ela faz-nos pensar. É, sem dúvida, um novo mundo, este em que vivemos.

Diferentes abordagens, e culturas, ao desenvolvimento tecnológico e, particularmente, ao uso de dados, podem ameaçar os frágeis equilíbrios geopolíticos em que vivemos, resultado da securitização da competição tecnológica. A corrida entre os EUA e a China em torno do 5G é um exemplo claro disso mesmo. Mas, mais preocupante, é um exemplo de como a Europa não pode ficar para trás na corrida do desenvolvimento tecnológico.

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Recordo uma célebre citação do John Doerr (investidor de capital de risco reconhecido a nível mundial): “A melhor forma de prever o futuro é construindo-o. A segunda melhor é investir nele”.  Apesar do potencial do Mercado Único Europeu, as nossas startups têm dificuldade em crescer na mesma medida e escala que as suas congéneres americanas. A disponibilidade de capital é um dos principais catalisadores para o desenvolvimento de ecossistemas de inovação e desenvolvimento tecnológico. A indústria de capital de risco (que investe em tecnologia e startups) na Europa tem menos capital e continua a ter mais dificuldade em atraí-lo. Em média, os fundos de capital de risco nos Estados Unidos são duas a três vezes maiores do que os europeus. Ainda para mais, persistem ainda muitas barreiras a investimentos e transações transfronteiriças.

Não nos podemos esquecer que estamos a ficar para trás. Pior! Estamos a ficar cada vez mais para trás. As rondas de investimento internacionais em startups, em tecnologia, estão a crescer a passos largos. E a Europa tem de se juntar à corrida, antes de chegarmos a um ponto em que a corrida já está perdida. É como se a Europa estivesse na linha de partida a ver os outros arrancar. Cada vez mais longe. Cada vez mais difíceis de apanhar.

A título de exemplo, nos Estados Unidos, com a indústria de capital de risco mais madura a nível mundial, cerca de metade do capital investido em startups e tecnologia vem de uma de três fontes: fundos universitários resultantes de donativos (os chamados “University Endowments”), empresas que gerem fortunas familiares (os chamados “Family Offices”) e fundos de pensões.

Ora, ao contrário dos Estados Unidos, na Europa, salvo raras exceções, não existem university endowments. Existem alguns, raros, exemplos no Reino Unido, França ou, eventualmente, Alemanha. E ainda assim, os maiores na Europa nem chegam a 20% dos seus homónimos americanos. É caso para dizer, “não se pode fazer uma omelete sem ovos”!

Mas nem tudo pode ser mau. Certamente. Vejamos os então chamados family offices… Nos Estados Unidos as administrações destas empresas estão, em média, a duas gerações de distância do empresário que gerou a fortuna. Ou seja, o responsável por toda a riqueza foi o avô (ou avó) da administração atual. Como todos sabemos, e facto que nos orgulha particularmente enquanto Portugueses, a Europa tem uma história bem mais rica e antiga do que a do chamado Novo Mundo. Na Europa, estas administrações estão, em média, sete a dez gerações de distância do empresário que gerou a fortuna. Correndo o risco de soar pedante, esta diferença explica uma abordagem cultural inevitável. Enquanto que estas administrações, na Europa, têm estratégias de investimento conservadoras, adotando uma abordagem de preservação/proteção do capital, os seus pares americanos têm uma cultura e mentalidade de criação de capital. Ou seja, os family offices americanos são mais propensos a risco.

Será, então, que “à terceira é de vez”?! Todos já ouvimos falar em fundos de pensões e, como diz o nome, consistem em qualquer plano, fundo ou esquema que gere o dinheiro das pensões ou reformas de indivíduos. Creio poder falar em nome do leitor, quando digo que acho muito bem que estas entidades sejam adversas ao risco. Afinal de contas, estamos a falar da nossa reforma! Ora bem, ao que parece, os fundos de pensões pela Europa fora (e Portugal) têm isto muito presente; pelo que, a investir em capital de risco, apenas o fazem com pequeníssimas percentagens dos seus ativos. Nos Estados Unidos, esta pequena percentagem, em concomitância com investimentos de universidades e family offices, tem dimensão suficiente. Na Europa, por si só, não chega.

Como podemos então, na Europa, compensar este desequilíbrio da “balança atlântica” do desenvolvimento tecnológico, por forma a evitar potenciais externalidades geopolíticas negativas?

Como pode, então, a autointitulada Nação Startup investir no desenvolvimento tecnológico enquanto fator diferenciador de uma economia?

Portugal precisa de empresas inovadoras, capazes de crescer e desenvolver soluções de forma ágil. Não podemos perpetuar uma economia focada em indústrias de baixo valor acrescentado. Não podemos eternizar uma economia de baixos salários e oferta de serviços barata. Precisamos de profissionais especializados, capazes de financiar estes desenvolvimentos e de desenvolver estas empresas. Precisamos de atrair mais capital, reduzindo barreiras e incentivando o investimento em intermediários financeiros especializados.

David Cruz e Silva é luso-americano e o fundador da Hack & Hustle, uma empresa focada na criação e desenvolvimento sistemático de novas empresas e em consultoria de inovação. Especializado em ferramentas de inovação, empreendedorismo e capital de risco, o David tem experiência a trabalhar com startups e no desenvolvimento de projetos de inovação para PMEs, multinacionais e governos a nível europeu. O David é um Global Shaper (iniciativa do Fórum Económico Mundial) e foi o representante mais jovem de Portugal na 73ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque (a convite da Organização Mundial de Saúde, para a qual foi consultor).

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.