“A teus pés, fundador da monarquia vai ser a Lusa gente desarmada!
Hoje cede à traição a forte espada
Que jamais se rendeu à valentia!”
(Início do soneto declamado pelo autor, Capitão de Cavalaria Luís Paulino d’Oliveira Pinto de França, junto ao túmulo de D. Afonso Henriques, em 1807, após a 1ª invasão francesa)
Fez agora 210 anos.
A terceira invasão francesa (assim considerada) estava a fazer o seu caminho. Foi a maior e a mais mortífera de todas. [1]
Perdida a praça de Almeida, por uma infeliz e dramática explosão do paiol, após 14 dias de cerco que os franceses lhe puseram, internou-se o grosso do exército pela estrada da Beira, tendo encontrado o exército Anglo – Luso entrincheirado nas “alturas do Buçaco”.
O Exército francês dividiu-se em três colunas ao entrar em Portugal: o segundo corpo, comandado pelo general Reynier, com 15.359 homens e 2.709 cavalos, veio por Alfaiates, Sabugal e Guarda, onde chegou a 15 de Setembro; o sexto corpo, sob o Comando de Ney, cujo efectivo era de 23.172 homens e 2.947 cavalos, transpôs o rio Coa no dia 15 e aguardou em Freixedas, Alverca e a cavalaria em Maçal do Chão; o oitavo corpo, do comando de Junot, com 16.772 homens e 3.652 cavalos, transpôs o Coa em Ponte de Vide, estacionando em Pinhel e finalmente Viseu. Por este itinerário marchou o parque de artilharia (106 peças) e a cavalaria de reserva, sob o comando do general Montbrun, com um efectivo de 3.651 homens e 3.822 cavalos. Depois marcharam por diferentes estradas para Coimbra, até confluírem frente ao Buçaco. Tudo isto foi observado pelo Exército anglo-luso, que se fortificou na serra do Buçaco, que tinha uma extensão de cerca de 15Km e uma altitude que variava entre os 320 e 550 metros.
O Exército aliado contava com seis Divisões de Infantaria e três Brigadas independentes, num total de 49.228 homens; a Artilharia contava com 60 peças, e 1.350 ingleses e 880 portugueses; Trem e Estado-Maior, respectivamente 422 e 43 homens; a Cavalaria, colocada na Mealhada, compreendia três brigadas com 2.489 homens.
Sem reconhecer bem o terreno, Massena ordenou um ataque frontal serra acima (ao que a maioria dos seus generais se tinha oposto), com dois Corpos de Exército, que deveriam atacar em simultâneo, o que não aconteceu. O ataque saldou-se por um duro revés para as “Águias Napoleónicas” que sofreram mais de 500 mortos, 3.600 feridos e 250 prisioneiros, entre os quais um general e muitos oficiais.
Para tal desastre muito contribuiu as violentas cargas à baioneta onde se destacaram os regimentos portugueses nº 5, 8 e 19, que se cobriram de glória.
Todas as tropas portuguesas que tomaram parte activa na batalha comportaram-se com grande valentia, como foi reconhecido nas ordens do dia pelos generais Beresford e Wellington.
E maior seria o desastre se Wellington tivesse tido a audácia de perseguir os franceses, explorando o sucesso, apesar das limitações que a orografia impunha.
Verificando que não podiam ultrapassar a posição, defendida por cerca de 25.000 portugueses e outros tantos britânicos, tentaram contorná-la pelo norte, o que conseguiram, após informações obtidas de um camponês, em Mortágua.
As tropas portuguesas posicionadas no norte do País, não chegaram a tempo de “ensanduichar” os franceses pelo que Wellington decidiu retirar o Exército para a segurança das Linhas de Torres, dando ordem para que tudo o que ficasse no caminho dos franceses, cuja logística era precária, e lhes pudesse ser útil, fosse destruído. Foi uma espécie de política de “terra queimada” que de facto muito prejudicou os defensores da “Revolução Francesa”, mas causou um sofrimento imenso na população portuguesa, que se revelou de um grande estoicismo, bravura e espírito de sacrifício.
Estima-se que durante o período das invasões francesas Portugal (na sua parte europeia) perdeu cerca de 10% da população, ou seja entre 200 a 300.000 mortos!
As milícias portuguesas comandadas pelo Coronel inglês Trant entraram, porém, em Coimbra, a 7 de Outubro, tendo surpreendido a pequena guarnição francesa lá deixada, a fim de guardar um improvisado hospital de campanha, que albergava cerca de 3.500 feridos e doentes franceses. Todos foram aprisionados bem como todo o pessoal de saúde, administrativos e sobreviventes da Guarda, num total de 4.000 homens, incluindo 80 oficiais.
Foi um erro imperdoável de Massena que muito afectou o moral das suas tropas, avivou as desavenças que (felizmente para nós) o Príncipe de Essling tinha com todos os seus lugares-tenentes e desagradou muitíssimo a Napoleão.
Talvez por tudo isso se pôs a correr, mais tarde, que os portugueses trataram mal os prisioneiros tendo exercido sobre eles um verdadeiro massacre, o que hoje está provado ser uma completa mentira. A grande maioria dos prisioneiros foi transportada, logo que possível, para o Porto e Lisboa e daí para Inglaterra. Mas esta mentira ainda hoje influencia muitos historiadores portugueses e estrangeiros nas suas análises.
Massena chegou às Linhas de Torres depois do seu exército, agora reduzido a 43.000 homens, ter passado por Coimbra – que saqueou – e não passou daí. Face àquele formidável conjunto de fortificações, sem provimentos, com a fome, o frio e a doença a matarem muitos combatentes todos os dias e depois de perder a esperança de receber reforços de Espanha, que tinha pedido, lá se decidiu a retirar, sendo perseguido e fustigado até à fronteira. E ainda os perseguimos até Toulouse, quando Napoleão se rendeu.
Só se perderam as que caíram ao lado.
Convém lembrar estas coisas, pois a nossa memória coletiva já conheceu melhores dias. E melhores ilações.
[1] Disse “assim considerada”, pois na minha visão da História diria que foi a quarta invasão, já que considero a “Guerra das Laranjas”, em 1801 (em que malogradamente, perdemos Olivença, que até hoje não recuperámos), como a 1ª invasão, devendo ainda considerar-se uma quinta invasão, que apenas durou 20 dias, quando o General Marmont, depois da retirada de Massena, ainda nos invadiu o território de Riba Coa, em 3 de Abril de 1812.