A beleza não é um mérito, é um dom. Diria que é um dom meritório, pois deste tema não se fala com uma feia (ou um feio). Diz-se das feias, que até são inteligentes ou sagazes ou eficientes, mas se uma bela é isso tudo, o único sentimento que fica, é a gratidão. É que no caso da beleza feminina, o tema sobe de tom, pois a Mulher é o mais belo de todos os seres. Vinícius, um insuspeito cultor da beleza feminina dizia na “Receita de Mulher” – “muito feias que me perdoem. Mas beleza é fundamental. É preciso que haja qualquer coisa de flor em tudo isso. Qualquer coisa de dança”.

O Criador fez Eva já não a partir do barro como tinha feito Adão, mas duma costela de Adão, como sua imanência, aperfeiçoando a sua obra. Como sucede com o virtuosismo musical ou plástico, os talentos não resultam à partida de mérito, mas são dons que nos são atribuídos (como a vida…) e que temos obrigação de administrar bem. Uma graduação em música ou em escultura não faz da pessoa músico ou escultor, é precisa essa estrelinha a que chamamos talento e isso é um dom inato. Mas os dons podem e devem ser trabalhados. A parábola dos Talentos, coloca em alta fasquia a expectativa que Deus tem a esse respeito.

Penso que a beleza física é um dom que deve ser cuidado, absorvido e transmitido. Se a beleza é também interior e capaz de irradiar tranquilidade, fascínio, admiração contemplação e paz, então não é só um dom, mas uma responsabilidade de que quem o detém terá de dar contas a si próprio e talvez a Deus. Quando, ao contrário, a beleza física é pretexto para sentimentos possessivos de desejo, disputa, ciúme, e violência, o pecado original é o esquecerem-se que são pessoas que não podem ser vistas ou tratadas como objetos. Também aí a atitude própria é determinada da forma como os outros nos veem.

A fealdade pode ser uma forma de beleza: depende do ângulo e do coração de quem vê. Há não-feios por definição e por direito próprio: um filho não é feio, um neto nunca é feio (a beleza não se aplica aos milagres!), um bebé é um bebé.

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Bonito, belo e lindo não são a mesma coisa: bonito é o que nos agrada, belo o que nos encanta, lindo o que nos fascina. E assim, pode ser-se bonito sem ser belo e lindo sem ser bonito. A beleza sem graça é como uma flor artificial; tem de haver brilho e cor e calor. A beleza murcha é um morto-vivo. A beleza é também e por vezes sobretudo, um som, um toque, um cheiro e um desses marca especialmente a memória.

A beleza é intemporal, as rugas são apenas o registo da nossa história. Disfarçar as rugas é como fingir que não se foi. O que é finito e breve é a juventude, e a beleza da juventude é curta, mas somos também o que fomos. Às vezes a beleza tem um espaço, é aqui e não lá, conforme os padrões que vamos construindo.

A beleza das pessoas não se basta e precisa de saúde e mérito e outras coisas que fazem humanidade; a beleza das árvores, dos oceanos e das montanhas é auto-suficiente, e por isso a beleza das pessoas é uma beleza a caminho. Como as pessoas.