A pandemia de COVID-19 foi, sem dúvida, o início do fim da era pós-Guerra Fria caracterizada principalmente pela interdependência entre quase todas as nações do mundo. A invasão em larga escala da Ucrânia pela Rússia, em 24 de fevereiro de 2022, eliminou as dúvidas que possam ter restado após o alerta da COVID-19, deixando claro que o Ocidente estava demasiado exposto. A União Europeia (UE), em particular, estava demasiado dependente de parceiros não muito confiáveis, como a China e a Rússia. Isso tornou-se evidente pela dificuldade inicial em garantir um fornecimento sustentável de máscaras e ventiladores para os Estados-Membros da UE durante a pandemia. Por outro lado, o enorme impacto económico que a UE e o mundo sofreram quando os preços da energia dispararam após a invasão da Ucrânia pela Rússia. Ambos os eventos foram responsáveis pela (des)ordem testemunhada hoje num mundo multipolar com algumas novas dinâmicas e abordagens à Globalização.
De-risking e decoupling rapidamente se tornaram a abordagem adotada pela UE em relação à China. Reconhecer parceiros estratégicos quer como parceiros, quer como concorrentes, pode ser a decisão mais ousada que a UE terá tomado nos últimos anos. Aplicá-la não apenas à China, mas também aos Estados Unidos (pelo menos na teoria) é ainda mais ousado. Cumprir essa promessa, no entanto, é uma outra conversa; contudo, a UE não tem alternativa se quiser permanecer relevante na esfera geopolítica atual. O regresso da corrida armamentista, tendo em conta as consequências da invasão da Ucrânia pela Rússia, levou a países tradicionalmente não-alinhados, como a Suécia e a Finlândia, solicitarem e aderirem à NATO.
Talvez menos falada continue a ser a geopolítica de infraestruturas – corrida ao investimento em infraestruturas a nível global. Devido às dinâmicas geopolíticas dos últimos dois anos provou-se estar aqui para ficar. Mas o que é realmente e por que é tão importante?
Ao falar da geopolítica de infraestruturas, a primeira ideia que surge é a Iniciativa da Rota da Seda da China, ou simplesmente “Belt and Road Initiative” (BRI) – lançada em 2013. Este projeto global de investimentos permitiu a China investir cerca de 1 bilião de euros nos últimos dez anos. Financiou a construção de ferrovias, estradas, portos, centrais fotovoltaicas, entre outros projetos, em quase todos os cantos do mundo, com o objetivo de estabelecer corredores terrestres e marítimos que fortaleçam ainda mais o tecido industrial da China, mas também a sua influência geoestratégica no mundo.
A China, que possui as maiores reservas de terras raras, essenciais para a fabricação de painéis solares e turbinas eólicas, também possui a maioria dos direitos de exploração de minas de cobalto e cobre, da região do Copperbelt localizada entre a Zâmbia e a República Democrática do Congo (RDC), o que a torna líder em mais um setor crucial para as transições a que a UE se propôs, a cadeia de valor das baterias.
E o Ocidente? Bem, uma resposta significativamente tardia do Ocidente foi revelada após a pandemia da COVID-19. Durante a sua Cimeira de 2022, as nações do G7 apresentaram a Parceria para Infraestruturas e Investimentos Globais, que visa mobilizar investimentos públicos e privados de até 600 mil milhões de dólares até 2027. Um objetivo ambicioso que tem visto muito progresso desde que foi lançado. A título de exemplo, iniciativas como a Global Gateway da UE já deram origem a muitas novas parcerias entre a UE e um número significativo de países da comunidade internacional.
O Corredor do Lobito é um bom exemplo de tais esforços. Liderado pela UE e pelos EUA, é um exemplo claro de como o Ocidente pretende acompanhar o ritmo da China na geopolítica de infraestruturas. Com um consórcio de exploração formado pela empresa portuguesa de construção Mota-Engil, a empresa belga Vecturis e a suíça Trafigura, o projeto do Corredor do Lobito fará a renovação e expansão da ferrovia existente (com mais de um século de existência), que vai da Zâmbia, atravessando a RDC e Angola até ao Porto do Lobito, no Oceano Atlântico. Além dos ganhos financeiros previstos para as comunidades locais, os países africanos envolvidos e, obviamente, os investidores, esta infraestrutura garantirá enormes ganhos estratégicos tanto para a UE quanto para os EUA, como uma alternativa à dependência da China para o fornecimento de algumas das Matérias-Primas Críticas importantes para as transições verde, tecnológica e energética.
O caminho para a autonomia estratégica da UE será tudo menos curto, muitos pacotes de investimentos precisam ser implementados e mais parcerias internacionais devem ser forjadas. Tudo precisa ser feito de forma rápida, não apenas para acompanhar a China, mas também para afirmar rapidamente a UE como um ator geopolítico de facto, à altura dos desafios que se avizinham.
O Observador associa-se aos Global ShapersLisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, irão partilhar com os leitores a visão para o futuro nacional e global, com base na sua experiência pessoal e profissional. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.