Todos os anos, quando entrego a minha declaração de IRS, posso destinar 0,5% do valor total de imposto que pago ao Estado a uma entidade à minha escolha. Chama-se a isto “consignação solidária”. E existe uma lista enorme de instituições, dedicadas a uma série de actividades meritórias, entre as quais posso escolher uma, que irá receber assim uma ínfima parte dos impostos que sou obrigado a entregar. É sempre bom saber que posso ser o responsável directo por aquilo que é feito com parte dos impostos que pago.

É pena ser só 0,5%. Porque eu não tenho qualquer controlo sobre o que acontece aos restantes 99,5% do IRS que sou obrigado a entregar ao Estado.

Sim, eu sei que é verdade que, com o meu voto nas eleições Autárquicas, Presidenciais e Legislativas, consigo influenciar a composição das entidades que, no fim de tudo, decidem o que é feito com os impostos, meus e de todos nós. Mas as coisas são muito pouco transparentes e imensamente distantes da minha decisão e escolha.

Senão, vejamos.

Actualmente, o Governo do PS, que recebeu 21,3% dos votos dos eleitores inscritos, tem 52,2% dos assentos parlamentares. Estes resultados dão-lhe o direito de gerir 100% dos impostos, meus e de todos nós. Isto com apenas 21,3% dos votos.

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Todos os restantes partidos, que receberam 28,8% dos votos possíveis, ficando com 47,8% dos elementos do parlamento, têm a seu cargo, para gerir, 0% dos nossos impostos. Nada. Zero.

(Se não acreditam nestes números, sugiro isto).

Isto sem contar com o facto de nunca ninguém nos ter informado ou pedido opinião sobre alguns usos específicos que são dados a esses impostos, como acontece quando são “queimados” em bancos e TAPs e contratos com empresas de familiares de membros do Governo, entre outras “gestões danosas”, repetidas, constantes e impunes.

Será que há alguém por aí que sinta que tem algum controlo sobre o que se passa com os impostos que entrega ao Estado?

Agora, pensem nisto. E se, em vez de 0,5%, existisse um outro valor que cada um de nós pudesse consignar na sua declaração de IRS para ser entregue a um dos partidos políticos com assento parlamentar? Um valor superior, como 5 ou 10%.

Esse valor não seria para uso desse partido nas suas actividades próprias, seria antes para ser aplicado por ele em obras públicas, apoio estratégico ou incentivo a empresas ou a actividades (económicas ou outras), ou seja em algo que esse partido considerasse que o Governo deveria fazer, mas não fazia.

Com transparência total, em cada ano, seria emitido um relatório do valor consignado pelos cidadãos a cada partido e, no ano seguinte, cada um deles teria de prestar contas do que tinha feito com o valor entregue. E todos os anos, os cidadãos poderiam manter ou alterar a sua escolha, de acordo com o uso feito do dinheiro que tinham entregue no ano anterior.

Já viram bem como seria? Não acham que todos se iriam sentir mais próximos do que é feito com os seus impostos (pelo menos com parte deles)? E que teríamos mais poder de escolha, e de recompensa e castigo, sobre aqueles que nos governam? E já imaginaram os efeitos da responsabilização directa dos partidos por aquilo que lhes era entregue, sabendo que, no ano seguinte, a decisão dos cidadãos poderia ser diferente, de acordo com o que tinham realizado ou não?

Esta consignação anual de parte dos impostos de cada um seria algo independente do habitual voto nas eleições, em partidos e governantes que depois pouco controlamos na sua actividade. Cada um de nós poderia assim votar num partido, e consignar parte dos seus impostos a outro, que acha menos adequado para governar o País mas que, ainda assim, tem projectos e ideias que gostaria de ver em acção.

Por outro lado, daria mais força aos que realmente pagam impostos em Portugal, e que muitas vezes sentem que não são suficientemente valorizados nessa sua contribuição por quem nos Governa.

Reparem que o Governo manteria 90 ou 95% do nosso IRS (para além das receitas de todos os outros impostos) para dispor a seu belo prazer. Além disso, e numa época em que o partido do Governo tem maioria absoluta, em vez de todos sentirmos que os restantes deputados e partidos (e, no fundo, toda a Assembleia da República) se tornam irrelevantes perante essa maioria, pouco ou nada podendo fazer que tenha qualquer influência nas decisões do executivo, com esta consignação todos eles passariam a ter uma espécie de mini-orçamento partidário para gerir e dar contas anualmente.

Era bom, não era? Sonhar não custa. E há tantos “sonhos” que seria fácil tornarem-se realidade…