Educamos os nossos filhos na esperança de que eles estejam preparados para tudo. Que, de certa forma, é uma maneira de assumirmos que os queremos – sempre! – a salvo. Aconchegados. E seguros!
Mas há momentos em que descobrimos que só nos faltou prepará-los para o jeito com que ela os irá ensinar que nunca estarão preparados para aquilo com que a vida os virará do avesso. Que, regra geral, é um “toque de mestre”. De um dia para o outro! Com que lhes dirá, duma só vez – mais do que tudo o que lhes demos, de seguro – aquilo que lhes falta para que eles a aprendam. E para que se preparem para todos os “demais” que a vida lhes irá trazer.
Afinal, os nossos filhos, apesar de todo o nosso amor, não estavam preparados para que, de repente, a estupidez humana lhes recorde que a maldade não é uma efeméride ou um facto perdido numa passagem qualquer nos livros de história. Nem para descobrirem que – em sete dias!!! – se destrói um país. E que nesse tudo-nada se expulsa, sem compaixão e sem bondade, mais de um milhão de pessoas do seu lugar e dos pequenos marcos das suas memórias. Nem estavam preparados para perceber que, (onde existia gente como eles, que procura ser feliz) passaram a existir – assim, de um momento para o outro – vítimas e mortos, entrincheirados e refugiados. E que – no lugar de crianças que brincam com os pais, num parque qualquer, ou de apaixonados que deitam a cabeça no colo uns dos outros (e respiram fundo, e olham para longe, onde o mais longe do seu amor os deixe levar) – é fácil fazer de gente boa, como eles, pessoas que choram, sobretudo. E se despedem. E que convivem, entre escombros e ruínas, com o desespero e com o ódio. E com a morte! E tudo com laivos arrepiantes que nos recordam que a maldade vive paredes-meias com o capricho.
Como podem os nossos filhos entender que pais, como nós, matem pais como os deles? Como podem aceitar que se prenda quem grite: “Não à guerra!” (mesmo que sejam crianças!!!) e que o crime que se lhes impute seja o delito de terem opinião… a favor da paz? Como podem rever-se na política – e como não hão-de ter “vergonha alheia” por alguns políticos (mesmo em Portugal!) – quando vêem que há quem justifique a guerra ou, de forma cobarde, à boleia dum pormenor qualquer, não lhe chame guerra nem a combata, nem seja capaz de reconhecer que voltar para trás na história corrompe todos os valores que, tantas vezes, vociferamos que faltam aos jovens? Como podem ser eles a favor do futuro e da esperança com tamanhos exemplos de indignidade humana?…
Depois de ser, assumidamente, verdade que lhe estamos a deixar um planeta cansado e à beira do colapso; depois de terem para gerir um país que envelhece todos os dias e onde a crise da natalidade é obscena e alarmante, diante da placidez de todos; depois de termos para lhes dar um tempo mais desigual e em crise financeira permanente, damos-lhes um mundo onde a guerra é uma alternativa, de um dia para o outro, para a inteligência e para a paz. Como podemos ter nós autoridade moral para lhes exigir o que quer que seja com exemplos como estes? Como podem estar eles comprometidos com o futuro se não nos cansamos de lho comprometer? Como podemos nós ser dignos do seu respeito quando, em resumo, parecemos dizer-lhes: “Vivam num precipício. Mas sejam felizes…”? Até onde nos falta a vergonha?…
Resta-nos o orgulho de, durante a pandemia – onde eles lidaram com a morte, em todas as esquinas, e isso lhes trouxe, de um dia para o outro, a humanidade que, doutro modo, talvez nunca lhes ensinássemos – eles nos terem visto a unirmo-nos em nome da vida. Por mais que, a certa altura, dividir o bem duma vacina por todos se tenha deixado corromper pela ganância dos mais fortes. Mas resta-nos, agora, o orgulho deles nos verem, num fôlego só, a reagir contra a guerra, a acolher e a dar. E a lutar pela paz.
Um destes dias, perguntaram-me se tudo isto não iria trazer mais revolta aos mais jovens. Eu disse que sim. E – disse, ainda – que isso era bom. Que seria, aliás, um raio de sol! Porque a consciência do mal lhes traz a coragem do bem. E porque o dever de revolta traz consigo o direito à indignação. Que é como um elefante que abre trilhos numa floresta. Usados, depois, pelos outros animais para prosseguir. Preparem-se, pois, para a revolta dos mais jovens! Ela colocará a descoberto a claridade daquilo em que acreditam e pelo que vale a pena que lutem. E trará a garra. E a esperança! A consciência política. E a humanidade; mais e mais refinada, depois disto tudo. Diante da qual os valores que lhes reclamamos – e que, tantas vezes, não praticamos – deixarão de estar “emboscados”.
Seja como for, não, os nossos filhos não estão nem seguros nem preparados para tudo! Porque há quem não se canse de conspurcar o seu amor pela liberdade. Mas é urgente – porque são nossos filhos! – que tenham a certeza que não nos falta a vergonha. E a coragem do bem! E que eles vejam que, em nome da verdade, seremos capazes de fazer de elefantes abrindo (por eles!) novos caminhos. Para que – não precisando de estar preparados para tudo – não deixem nunca de se preparar, sobretudo, para a paz!