Segundo consta, os portugueses são, simultaneamente, os europeus que têm maior percepção da existência de corrupção e os que têm mais dificuldade em apontar casos concretos. Esta aparente contradição leva os detentores do poder e os seus acólitos a concluir que a corrupção em Portugal é mais aparente e pontual do que real e generalizada.
Ora, a razão porque os portugueses se recusam a indicar casos concretos é, precisamente, pelo facto de a corrupção em Portugal ser generalizada, estrutural e endémica. Como não me canso de repetir, Portugal não é um Estado de Direito. Portugal é um Estado de Direito Livre, onde quem detém o poder tem à sua disposição uma panóplia de instrumentos legislativos extremamente violentos e repressivos, destinados a perseguir e reprimir todos aqueles que não se conformam com a rede de corrupção que controla e gere o nosso país. Quem tiver a ousadia de enfrentar esta gente em campo aberto e de rosto descoberto tem a vida desgraçada. Basta, tão-só, a quem detém o poder aplicar a lei de forma selectiva e implacável.
Não é por acaso, que os portugueses são do Benfica, Sporting e Porto. Os portugueses escolhem sempre as árvores que dão sombra. Aqui valoriza-se sempre o resultado e não os métodos utilizados. E, neste contexto, a corrupção é sinónimo de poder.
Quando fui vereador, como já aqui contei, tendo tido conhecimento de que os concursos de pessoal da câmara estavam viciados (os candidatos a quem se destinavam os lugares, ou tinham acesso às provas antes de se realizarem, ou eram os autores da própria prova, ou podiam corrigi-la depois de a mesma se ter realizado), apresentei queixa no Ministério Público, tendo apresentado documentos comprovativos e testemunhas.
Passado pouco tempo, fui chamado, pensava eu, para prestar declarações. Enganei-me. Fui chamado para me comunicarem que, relativamente aos concursos de pessoal, o processo ia ser arquivado, porque todas as câmaras faziam o mesmo.
Podia contar aqui outros casos ainda mais escabrosos… Mas, como todos fazem o mesmo, também não quero terminar os meus dias sofrendo mais do que já sofri, precisamente por não me conformar em viver num país onde a corrupção funciona em rede e é aceite por todos.
Em Portugal, em boa verdade, não há pessoas corruptas: há um sistema corrupto que obriga as pessoas a corromperem-se para sobreviverem. Como diz um amigo meu, “numa sociedade onde as elites se apropriam do grosso dos recursos, não ensinar aos filhos a legitimidade da vigarice seria privar os mesmos de meios de subsistência“.
Há gente honesta em Portugal? Ainda é capaz de haver… mas não generalizemos.