Enquanto, em Espanha, um rapper é condenado a pena de prisão por ter criticado, de forma ofensiva, a monarquia e as instituições espanholas, em Portugal é o presidente do Tribunal Constitucional que tem de engolir à pressa o que escreveu há uns anos para não perder o cargo.

Pelos vistos, nem os Portugueses, nem os Espanhóis perceberam ainda, apesar das condenações sucessivas pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que não há democracia liberal sem liberdade de expressão e que o direito à liberdade de expressão, como muito bem explicou um juiz numa célebre sentença americana, “não protege o direito a ter razão, mas o direito a não a ter”.

O direito à liberdade de expressão, como ensinou Karl Popper, o pai das sociedades abertas, é a trave-mestra das democracias liberais: “A liberdade de expressão deve ter primazia sobre o nosso desejo de não ofender”; “Quando evitar ofensas constitui a nossa principal preocupação, rapidamente se torna impossível dizermos livremente seja o que for.

Em todo o caso, basta ouvir a cantiga do rapper para constatar que a sua letra é de uma violência extrema, quer contra a monarquia espanhola, quer contra os juízes, quer contra o regime constitucional, fazendo apelo, inclusive, ao terrorismo, muito para além das expressões usadas por André Ventura contra o regime constitucional português. Com efeito, André Ventura ainda não teve a coragem de chamar a Marcelo e aos juízes “ladrões”, “mafiosos” e “corruptos”, nem sequer de fazer apelo ao terrorismo para atacar a nossa Constituição. Não deixa, no entanto, de ser curioso que as mesmas pessoas que defendem o direito à liberdade de expressão do rapper, sejam as mesmas que queiram silenciar e, inclusive, ilegalizar aqueles que se manifestam contra o regime constitucional português. Vamos lá a ver se nos entendemos. O direito à liberdade de expressão vale para todos e não é sujeito à censura prévia das elites bem-pensantes que querem controlar o que se pode dizer no espaço público. Como cantava Manuel Freire, “Não há machado que corte a raiz ao pensamento/ não há morte para o vento/ não há morte.

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Quanto ao escândalo público criado pelo texto do actual presidente do Tribunal Constitucional, ainda é mais revelador do mundo às avessas em que vivemos.

Com efeito, independentemente de se concordar ou discordar com o teor ou a forma do texto, a verdade é que aquele texto representa o que uma larga maioria de Portugueses espontaneamente pensa. Ora, a reacção das nossas elites bem-pensantes, exigindo a retratação pública do juiz e pondo em causa a sua independência para o exercício das funções, só vem demonstrar que existe um clima de intimidação cultural contra aquilo que o homem comum espontaneamente pensa. Isto é a prova provada da revolução cultural fascista-leninista que tomou conta do espaço público e que pretende impor à maioria das pessoas uma mundovisão cultural contrária àquela que a maioria das pessoas tem.

Além disso, o fanatismo ideológico dos fascistas-leninistas impede-os de conseguir compreender uma coisa óbvia para o homem comum: a competência profissional é independente das convicções ideológicas. Ou seja, o facto de um médico, advogado, juiz ou pedreiro ser católico, budista, socialista, benfiquista ou homossexual não faz com que trate melhor um cliente que partilhe as mesmas convicções do que um que tenha convicções radicalmente opostas.