A transparência é a trave-mestra de qualquer democracia liberal que se preze e do Estado de Direito democrático, uma vez que é a principal garantia da boa governação e a grande inimiga da corrupção, da fraude e da injustiça. Como escreveu Edmund Burke, filósofo e político conservador irlandês do séc.XVIII e um dos grandes defensores das democracias liberais, “em todos os governos, o mais seguro teste de excelência é a publicidade da sua administração, porque onde quer que haja secretismo, está implícita injustiça. (…) Sempre que há mistério em qualquer assunto de governação, deve presumir-se que há fraude; sempre que há encobrimento em matéria de dinheiro, deve presumir-se que houve má administração.

Acontece que, em Portugal, a transparência é inconstitucional. Tudo aquilo que um cidadão devia conhecer é segredo de Estado. O povo português está obrigado a confiar cegamente nos seus governantes e nos presidentes do que quer que seja, porque eles governam sempre segundo a Constituição, a pensar exclusivamente no bem do povo, dos munícipes, dos sócios e associados de qualquer chafarica por mais insignificante que seja. Exigir transparência aos nossos governantes e aos senhores presidentes é um ataque vil à sua honorabilidade e santidade, protegida pela unção constitucional da presunção de inocência até trânsito em julgado da sentença que só será cumprida, a não ser em casos meramente pontuais, após o Juízo Final (caso se cumpram as profecias, o que hoje não está sequer garantido). Os eleitores devem votar de olhos fechados, porque conhecer as verdadeiras opiniões, filiações e convicções dos candidatos é inconstitucional. Num país em que a simples fidelidade clubística, como já se viu, é capaz de levar pessoas a violar os seus mais elementares deveres profissionais e a corromper-se, revelar a filiação clubística, religiosa ou maçónica é uma grave violação da privacidade. Não é que a Constituição os obrigue a candidatar-se, mas querem poder fazê-lo com a máxima discrição, ou seja, sem revelar as suas fidelidades e as suas convicções, porque, como diz o povo, o segredo é a alma das negociatas em nome das quais se candidatam.

Se vivêssemos numa verdadeira democracia liberal, a nossa Constituição seria constituída por um conjunto de normas simples, consensuais, facilmente inteligíveis pelo cidadão comum e reflectindo aquilo que devem ser os princípios fundamentais e irrevogáveis de qualquer Constituição democrática: liberdades e garantias individuais, igualdade do cidadão perante a lei e separação de poderes. Por sua vez, o Tribunal Constitucional seria composto por juízes vitalícios com um currículo, um passado e uma folha de serviços a condizer com a dignidade e importância do cargo, reflectindo o equilíbrio social (nem só juristas, nem só funcionários públicos) e escrutinados publicamente antes de serem empossados.

Acontece que isso é pedir de mais ao mundo da política portuguesa, onde todos são familiares ou irmãos na fé, sendo a discrição, precisamente, o seu valor mais sagrado. É precisamente por esta razão que a nossa Constituição é uma sopa da pedra, confeccionada com os melhores ingredientes normativos do Direito português (umas normas são impossíveis de se aplicar, outras nunca se aplicam, outras só se aplicam às vezes e outras aplicam-se à vontade do freguês) e para ser degustada no Gambrinus do Estado português. Só os donos do regime têm os meios (as custas são proibitivas e é preciso conhecer o mapa das minas, porque se trata de um terreno altamente minado) para aceder, com sucesso, ao Tribunal Constitucional. Por sua vez, os juízes do Tribunal Constitucional são escolhidos pelos chefes partidários, em negociações discretas e com base nos interesses das diferentes irmandades. Como diria Fernando Pessoa, “Ó Portugal, hoje és nevoeiro…” Valete, Fratres. 

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