Em virtude da suspensão das competições, e da recente decisão tomada por alguns clubes em recorrer ao regime do lay-off simplificado, questiona-se se é lícito aos clubes e sociedades desportivas recorrerem à aplicação desse regime, aprovado pelo decreto-lei n.º 10-G/2020, de 26 de março, designadamente à redução temporária dos períodos normais de trabalho ou à suspensão dos contratos de trabalho.

Ora, o lay-off simplificado destina-se a “empregadores de natureza privada”, noção na qual se enquadram quer clubes, enquanto associações, quer sociedades desportivas (na forma de SAD ou SDUQ), enquanto sociedades comerciais.

O regime do lay-off simplificado verifica-se em situações de crise empresarial, designadamente por uma de três vias: (i) encerramento total ou parcial da empresa ou estabelecimento, decorrente de disposição legal ou administrativa; (ii) paragem total ou parcial da atividade da empresa ou estabelecimento que resulte da interrupção das cadeias de abastecimento globais, ou da suspensão ou cancelamento de encomendas; e (iii) quebra abrupta e acentuada de, pelo menos, 40 % da faturação no período de trinta dias anterior ao do pedido, com referência à média mensal dos dois meses anteriores a esse período, ou face ao período homólogo do ano anterior ou, ainda, para quem tenha iniciado a atividade há menos de 12 meses, à média desse período.

Estando certos de que estes requisitos são alternativos, e não cumulativos, basta que se verifique uma das situações anteriormente descritas para se considerar que existe “situação de crise empresarial”.

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Assim, torna-se necessário saber se o clube ou a sociedade desportiva que participe em competição desportiva, objeto de decisão administrativa de suspensão ou conclusão antecipada, se encontra em situação de crise empresarial para efeitos de acesso às medidas de apoio à manutenção da atividade das empresas.

Os clubes que, publicamente, já assumiram a intenção de avançar para o lay-off, invocaram o encerramento da empresa para esse fim. Contudo, parece-me que o fizeram indevidamente. Para essa análise, entendo que devem ser chamados à colação os seguintes argumentos:

  1. O lay-off pressupõe sempre um impacto financeiro negativo significativo, que coloque em causa a viabilidade financeira do clube ou da sociedade desportiva e faça perigar os postos de trabalho existentes. Assim sendo, a suspensão das competições deve originar algum tipo de afetação ou impacto financeiro relevante e que sustente e justifique, por si só, a existência de uma real situação de crise empresarial. Esse impacto financeiro negativo tem de ser presente, atual, e não hipotético ou potencial, dado o caráter imediatista a que subjaz ao regime de lay-off, que é o de assegurar a viabilidade da empresa e manutenção dos postos de trabalho existentes.
  2. Não decorre da leitura da definição de crise empresarial, prevista nas alíneas do n.º1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º10-G/2020, que para se aferir o encerramento total ou parcial de uma empresa, nos tenhamos de socorrer do critério financeiro da quebra abrupta da faturação. Aliás, se tal fosse critério, seria exigível para os casos de encerramento total ou parcial a apresentação de certidão do contabilista certificado da empresa que ateste esse impacto financeiro, o que não acontece por força do n.º 2 do artigo 4.º do mesmo diploma, in fine. Contudo, não nos podemos afastar da ideia original e da teleologia que sustenta a figura do lay-off, que consiste em permitir temporariamente ao empregador suspender os contratos de trabalho ou reduzir os períodos normais de trabalho, pela verificação de motivos que tenham afetado a atividade normal da empresa e desde que essas medidas sejam indispensáveis para assegurar a sua viabilidade e a manutenção de postos de trabalho existentes.
  3. A Liga e a Federação Portuguesa de Futebol, assumindo o carácter exemplar da medida, ordenaram a suspensão dos campeonatos profissionais no dia 12 de março. Quer isto dizer, em primeiro lugar, que estamos perante uma suspensão de actividade e não de um encerramento da empresa; e em segundo lugar, que a suspensão não resultou de uma decisão governamental, mas sim de uma decisão autónoma e voluntária da Liga e da Federação, que antecipou a posterior decisão governamental.
  4. O Decreto n.º 2-B/2020 refere, no seu artigo 9.º. que “são encerradas as instalações e estabelecimentos referidos no anexo I ao presente decreto”, nas quais se incluem os estádios. Poderíamos daqui retirar que, estando os estádios encerrados, os clubes e as sociedades desportivas ficariam obrigados a encerrar a sua actividade. Contudo, de acordo com o n.º 3 do referido anexo, esse encerramento não se aplica às instalações desportivas destinadas à atividade dos praticantes desportivos profissionais e de alto rendimento, em contexto de treino, o que permite que os clubes e as sociedades desportivas realizem, pelo menos, uma parte da sua actividade, mantendo os respetivos centros de treino abertos para essa finalidade.

Face ao exposto, parece-me claro que o recurso ao encerramento da empresa, pelos clubes e sociedades desportivas, para sustentar a crise empresarial, fica de todo afastado, em virtude de poderem continuar a fomentar o desenvolvimento de actividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada, bem como pelo facto de manterem as principais fontes de receitas próprias, tal como acontece com as receitas provenientes dos contratos de patrocínio, dos direitos de transmissão e das transferências de jogadores.

Todavia, caso esta situação se mantenha e os clubes e as sociedades desportivas comecem a registar quebras acentuadas de receita, como por exemplo pelo cancelamento dos contratos anteriormente referidos, pela ausência de prémios de qualificação ou pela redução da bilhética, poderão recorrer ao regime do lay-off simplificado, desde que exista uma quebra abrupta e acentuada de, pelo menos, 40 % da sua faturação.