Existe um problema na associação dos diferentes acontecimentos às suas respetivas consequências por parte das pessoas. Vivemos vidas curtas, neste momento bombardeadas por diferentes tipos de informação em vários meios. Torna-se cada vez mais difícil a análise das consequências de escolhas feitas há anos atrás. Os ciclos económicos e políticos normalmente são assim, com as suas consequências a curto prazo, é verdade, mas principalmente com as consequências a longo prazo que na sua generalidade acarretam mudanças muito mais drásticas, fruto do acumular de diferentes pequenas mudanças ao longo dos anos. É isso que está a acontecer no Reino Unido, um antigo Império em declínio, há mais de 100 anos, com vários acontecimentos que contribuíram para a economia crescentemente débil e o declínio de condições de vida dos seus cidadãos, que atualmente são agravados com o Brexit, a sua saída da União Europeia (UE).

O Reino Unido sai da II Guerra Mundial vencedor, em conjunto com os EUA. No entanto com uma diferença, os EUA sairiam do conflito como superpotência global, herdando a grande maioria das bases navais britânicas, espalhadas um pouco por todo o mundo. O novo consenso internacional, espelhado nas instituições globais que seriam fundadas, como a ONU, atribuía à obtenção de colónias uma conotação negativa, prejudicando os velhos impérios. O Reino Unido sairia especialmente prejudicado da onda de independências das várias nações que antes componham a sua agregação colonial, perdendo o acesso a recursos naturais, mão-de-obra e rotas marítimas e terrestres que contribuíam para o seu domínio económico. A crise dos britânicos teria o seu pináculo com a situação do canal Suez, em 1956, onde foram incapazes de contrariar a nacionalização do canal, por parte de Nasser. Mais que a sua incapacidade, foi a rejeição de apoio por parte dos EUA que mais contou nesta crise, o que tornou evidente que sem a projeção dos americanos seria improvável a resolução do problema em beneficio dos britânicos.

Alguma desta degradação económica foi contida com a transformação de Londres (mais precisamente a City of London) num dos principais centros financeiros internacionais. Ironicamente, esta transformação apenas foi possível com as remanescências do império, mais precisamente, as pequenas ilhas no Atlântico e Pacífico, como as Ilhas Virgens Britânicas, Caimão, Jersey ou as Bermudas. Estes territórios ultramarinos funcionam ainda hoje como plataformas de “offshore”, com transferências e contas de dinheiro de todo o mundo, de forma anónima e pouco transparente. O centro operativo destas plataformas é Londres, o que faz com que ainda hoje, a City of London seja o lugar no mundo com mais bancos internacionais. Isto permitiu que o dinheiro continuasse a fluir, apesar da perda de recursos dos restantes territórios que se tornariam entretanto independentes.

Outra atenuante foi a entrada do Reino Unido na União Europeia (na altura CEE), em 1973. A oportunidade de entrar no maior mercado unido do mundo trouxe algumas facilidades, nomeadamente em termos de custos, logística, acessos e subsídios públicos, que permitiram uma melhoria das condições gerais de vida e o crescimento económico (aliás como aconteceu um pouco com todos os países que entraram na UE). No entanto, esta entrada não alterou a direção dos acontecimentos, e o Reino Unido continuou a perder peso na economia mundial, resultado da crescente importância das novas potências, como a China ou a Índia (antiga colónia do Reino Unido). Estas novas potências também competiam (e competem) com a UE, sendo que a crise de 2008 acelerou a degradação das condições económicas e qualidade de vida dentro do próprio mercado europeu. Os EUA retraíram-se, a China foi o motor mundial na recuperação desta crise, e a principal onda de investimento viria da Ásia. A Ásia, em complemento de ser a força industrial e de produção do mundo, seria agora uma fonte de investimento na Europa e de inovação. Com a perda de quota internacional, o agravar do poder de compra e de condições de vida continuaria, e viria a ser central na saída do Reino Unido da UE, algo que, num sentido exatamente contrário, aceleraria o agravar destas condições.

O Brexit é um produto dos novos movimentos nacionalistas que bebem bastante do descontentamento da população europeia. A forma como ganham poder não é assente em factos concretos ou políticas públicas palpáveis, mas apenas em sentimentos e perceções dos seus seguidores. Isto faz com que a batalha no meio informativo seja bastante importante. As chamadas fake news fomentaram o Brexit, não sendo relevante a factualidade da informação, mas a perceção. Em termos económicos, o Brexit é pior do que os impactos da pandemia Covid-19. O país vive uma crise de logística e abastecimento, uma contração do PIB que pode ir até 4% a longo prazo, um crescimento económico anémico, e vários problemas políticos, como a fronteira entre as Irlandas e a questão da independência da Escócia. O Reino Unido poderá, a longo prazo, continuar a perder territórios, um acontecimento que não é novo, mas, como referido, um processo com mais de 100 anos. Tragicamente, os britânicos escolheram bodes expiatórios fáceis de culpar, seja imigrantes, seja os burocratas de Bruxelas. Esse erro aumentou a perda de influência internacional.

O que se vive em Inglaterra é o conflito de um país consigo próprio, não sabendo lidar com o novo papel que tem, em que, apesar de ser uma das principais economias mundiais, está cada vez mais dependente de decisões tomadas noutro lugar no mundo. A solução (se lhe podemos chamar solução), tal como o problema, será bastante longa e fora da perceção da maioria. O reiniciar de relações com os seus parceiros europeus, os EUA e também o aproveitamento das oportunidades na Índia, farão parte do melhoramento dessa crise interna. Só o tempo dirá.

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