Fez, esta semana, dois anos que a Rússia alargou a sua invasão da Ucrânia. A invasão já tinha começado em 2014, com a anexação da Crimeia. Em paralelo, desde o dia 7 de Outubro passado e do ataque cobarde dos palestinianos a Israel, a Ucrânia cedeu uma parte do espaço noticioso internacional ao Próximo Oriente. Estes acontecimentos juntam-se a outros igualmente preocupantes como a ameaça da China para a estabilidade internacional com a tentativa de dominar o Pacífico e alargar o seu poder a todo o globo.

Perante o que se está a passar no Leste e a Oriente da Europa, e também no Pacífico, e perante o risco real de haver um alastramento dos conflitos para zonas geográficas mais próximas de Portugal, qual é a atitude dos portugueses? A atitude dos portugueses é sentarem-se confortavelmente no sofá a assistir aos noticiários, ouvir na rádio podcasts sobre o assunto ou verificar no iphone ou no computador quais foram os desenvolvimentos mais recentes.

Infelizmente esta passividade é também confirmada na campanha eleitoral que decorre. Não há qualquer menção de propostas sobre que acções tomar e que políticas implementar para prevenir a possibilidade de alastramento dos conflitos. Até há partidos que propõem que o melhor é abandonarmos a NATO e render-nos ao que vier.

A passividade demonstra a impossibilidade que a grande maioria da população tem de fazer alguma coisa. Mas esta passividade não deve existir nos sectores que estão directamente relacionados com a Defesa. Em Portugal decorre actualmente a revisão do Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN) para definir as prioridades nacionais em defesa e segurança. A revisão do CEDN deveria ser resultado de uma avaliação do documento que actualmente está em vigor e dos conflitos que decorrem. Mas a proposta do governo não refere qualquer avaliação e mantém a tónica do documento aprovado há 11 anos.

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Os conflitos que decorrem e a crescente ameaça da China levaram a NATO, com o voto favorável de Portugal, a alterar o seu conceito estratégico e a pretender alargar a abrangência da sua actuação do Leste da Europa até ao Pacífico. A ideia de alargar o âmbito da NATO ao Pacífico está a ganhar peso e Portugal deveria considerar esta mudança no seu posicionamento, sendo o novo CEDN a altura ideal para o fazer. O problema é que o governo português, que manifesta o seu apoio na NATO, é avesso à mudança e nada faz em Portugal.

Os graves acontecimentos que ocorrem a pouco mais de 3 mil quilómetros do nosso país deveriam alertar-nos e levar-nos a assumir uma atitude preventiva. A Constituição consagra que “é obrigação do Estado assegurar a defesa nacional”, especificando que “tem por objetivos garantir … a independência nacional, a integridade do território e a liberdade e a segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaça externas”. A Defesa deveria estar na ordem do dia pois é uma área de soberania que o Estado não pode, nem deve, menosprezar. E para isso seria necessário não só discutir a situação da Defesa em Portugal, mas também o que começar a fazer para prevenir acontecimentos futuros menos agradáveis e ter uma resposta pronta.

Por isso são essenciais temas como o nível de recrutamento das Forças Armadas e a valorização das suas funções pela definição de condições que sejam atractivas para os jovens desempenharem as suas missões, rever a lei para melhorar o investimento em infraestruturas militares, dotar a Lei de Programação Militar com os meios financeiros e os programas adequados a uma reavaliação das prioridades no âmbito do CEDN, honrar os compromissos internacionais assumidos na NATO, intensificar a cooperação com os aliados ao nível de formação e treino, do recurso ao Espaço para efeitos de vigilância e de monitorização, e para o desenvolvimento de tecnologia e de capacidades e disponibilidade operacional.

E reforçar uma outra área, a Economia de Defesa, que é das mais importantes pelo duplo papel que pode ter. Por um lado, pela ajuda na preparação de uma reacção a possíveis acontecimentos indesejáveis que ocorram no futuro. Por outro, ao contribuir para acelerar o crescimento económico e para que a população portuguesa atinja um nível de desenvolvimento mais elevado, que esteja de acordo com o que todos ambicionamos.

Em Portugal há algumas centenas de empresas, algumas com uma dimensão muito superior à média nacional, que operam na área da Defesa, produzindo bens e disponibilizando serviços com um elevado valor acrescentado, integrando cadeias de valor internacionais e exportando uma parte significativa da sua produção para todas as zonas do Mundo. O seu papel deve ser reforçado através de alianças e investimento na indústria de defesa em coordenação com os países aliados, de modo a promover e fomentar o desenvolvimento tecnológico e a industrialização de equipamentos em território nacional, devolvendo a autonomia estratégica ao país em, pelo menos, algumas áreas.

Portugal abandonou a sua indústria de defesa a seguir ao 25 de Abril, um custo do qual demoraremos décadas a recuperar, mas fabrica e disponibiliza produtos e serviços que vão desde equipamento eléctrico e electrónico até componentes, peças e ferramentas feitas com materiais compósitos, serviços de engenharia e de manutenção militar, e sistemas e software especializado de comando, de comunicações, de logística ou de gestão integrada de equipamentos e armamentos.

Infelizmente, o conhecimento sobre Defesa da população portuguesa é escasso ou quase nulo apesar de a sua economia ter empresas com produtividade muito acima da média, com inovação e criação de valor muito significativo e que contribuem para o emprego e para o crescimento de Portugal.

Há alguns esforços a nível nacional para tirar os portugueses do sofá e aumentar o conhecimento sobre a Economia de Defesa (ver, por exemplo, o Programa Avançado em Economia de Defesa), mas continua a predominar a ausência de informação e de formação numa área que se tornou central nas notícias diárias dos últimos dois anos.

Por isso é importante voltar a colocar a Defesa na ordem do dia. Pela necessidade de preparar o futuro e pela urgência de acelerar o crescimento económico em Portugal, para que na vida dos portugueses predomine a paz, a segurança e um nível de vida que garanta conforto até ao fim dos seus dias.