Quatro formulários, equipa médica e de enfermagem, ambulâncias e mais registos obrigatórios, esta é a parafernália com que a DGS se prepara para higienizar as festas populares.

A coisa está plasmada numa norma datada de 10 deste mês e vem assinada por Rui Portugal, que por enquanto substitui Graça Freitas. Sim, o mesmíssimo sub director-geral da Saúde que no mês de Dezembro de 2020 nos recomendou que fizéssemos “uma troca simbólica de uma compota que um fez em “visitas rápidas no quintal ou no patamar das escadas do prédio”, além de num tom que me faltam as palavras para qualificar nos ter lembrado que “Não é obrigatório que o Natal se comemore neste país na ceia de Natal”. Pois agora qualquer festa de aldeia que junte mil e uma pessoas passa a ser vista como um risco sanitário e como tal está sujeita à Norma 003/2023, um documento sinistro que olha para qualquer actividade humana como um risco para a saúde.

Como todos estes normativos que se imiscuem na nossa vida quotidiana, a coisa começa por ser apresenta e justificada através de situações verdadeiramente excepcionais: “A existência de normas e boas práticas é fundamental para a gestão dos riscos associados a este tipo de eventos, incluindo os de dimensão internacional, que ocorrem regularmente (como as Peregrinações ao Santuário de Fátima) ou esporadicamente (como a EXPO 98, o EURO 2004, a Cimeira da Nato 2010, a visita do Papa Francisco 2017, o Festival da Eurovisão 2018, a Presidência Portuguesa da União Europeia 2021, a Jornada Mundial da Juventude, entre muitos outros).” Como é mais que óbvio esses eventos já têm estruturas de saúde a funcionar. Esta Norma 003/2023 e os seus quatro questionários procuram intervir e condicionar não os grandes eventos e festivais mas sim os pequenos festejos populares. Basta tentar aplicar aquelas tabelas para o constatar.

Depois de ter aplicado a tabela de avaliação de risco que consta na Norma 003/2023 da DGS ao momento anual em que, numa aldeia da Beira, ouço cantar durante dois dias “Mas quem será o Pai da criança?”, percebi que tudo aquilo que aos olhos comuns é divertimento está transformado num risco sanitário: evento sazonal (vale 2 na pontuação de Risco do evento) em que após a missa e a procissão (2 pontos) se entra numa sucessão de confraternizações entre grupos diferentes (5 pontos), que se arrastam por mais de doze horas (3 pontos), com baile (4 pontos) ao ar livre (3 pontos) e histórico consumo de álcool (1 ponto). Valha-nos a insignificância para nunca termos sido distinguidos com a presença de “Altas Entidades da Igreja”, que, vá lá saber-se porquê, valem 5 pontos nesta avaliação de risco.

O terror disto é somar-se mais de 30 pontos na malfadada Pontuação de Risco do Evento. Porque a partir daí têm de estar afectas 2 ambulâncias, 12 socorristas e 4 SBV (Suporte Básico de Vida). Se não se ultrapassar os 30 pontos então pode-se dispensar uma ambulância, alguns socorristas e 2 SBV. Por esta hora várias comissões de festas devem estar a tentar que os seus festejos não cheguem aos 20 pontos mas se não me enganei nas contas o melhor será trocarem a festa por um velório pois nesta norma da DGS os menos perigosos, sanitariamente falando, claro, são os grupos de famílias, sentados, dentro de portas, por menos de 4 horas. (Quem não acreditar basta clicar e fazer as contas).

Infelizmente a tabela da DGS não incorpora dados que seriam preciosos para finalizarmos a avaliação de risco destes eventos. Por exemplo, a urgência hospitalar mais próxima está a funcionar 24h ou só trabalha de vez em quando? Ou será que as ambulâncias nos bailaricos estão lá para, ao mesmo tempo que sanitarizam o nosso mundo, nos criarem também uma falsa ilusão de segurança no SNS?

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