Primeiro pensei que fosse defeito. As tampas não se ajustavam às garrafas. Experimentei rodar com força. Pressioná-las. Até esganá-las um pouco. Mas não não era defeito. Era mesmo assim. Ou melhor dizendo passou a ser mesmo assim.

E é assim porque a Directiva 2019/904 da UE veio estabelecer que os produtos de plástico de uso único, incluindo garrafas com tampas de plástico, só possam ser comercializados se as tampas permanecerem presas aos recipientes durante toda a fase de utilização prevista do produto.

(Queridos eurocratas experimentaram abrir e fechar uma garrafa com a tampa presa ao recipiente? Podem mandar um video a mostrar como se faz? Obrigada.)

Perceber o porquê desta ordem de Bruxelas demora muito menos tempo que conseguir fechar uma garrafa com a respectiva tampa agarrada: umas criaturas deixavam por aqui, por ali e muito particularmente nas praias as tampas das garrafas de plástico. Multá-los? Dá muito trabalho. Além disso parece mal e bem vistas as coisas é uma forma de discriminação entre quem apanha o seu lixo e quem o deixa por todo o lado. Portanto a opção foi a directiva da tampinha que entrou em vigor este mês de Julho e nos pôs a olhar para os gargalos com o ar de quem contempla um quebra-cabeças cheio de líquido.

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Como é óbvio os velhos, as crianças, quem não tem as duas mãos livres ou simplesmente quem não tem perícia para acertar com a tampa naquela espécie de encaixe desajustado em que se tornaram os gargalos, anda desde Julho deste ano a travar uma luta com as tampas, as garrafas propriamente ditas e os líquidos que com tanto desacerto e sacolejo acabam a espalhar-se.

Convenhamos que as tampas têm um longo historial nos activismos. Durante anos as crianças exigiram levar tampas para as escolas. Não interessava que em casa se bebesse água da torneira e se fizessem os sumos em vez dos comprar embalados, era obrigatório arranjar tampinhas quanto mais não fosse porque havia sempre uns colegas que apareciam com garrafões cheios de tampas de todas as cores. As escolas tinham projectos com nomes sugestivos como “Tampinhas”; “Não dês tampa à solidariedade”; “Tampas que dão rampas”… que no fim revertiam para comprar cadeiras de rodas. Nunca percebi porque só interessavam as tampas e não as garrafas mas não ousei perguntar não fosse tal questão ser interpretada como uma objecção àquele frenesi de acumulação de tampas em que andavam educadoras, pais, mães…

Agora as tampas continuam a animar já não tanto as campanhas de solidariedade mas sim o discurso da necessidade de proteger “o ambiente e a saúde humana”. E para se proteger “o ambiente e a saúde humana” devem portanto as tampas permanecer “presas aos recipientes durante toda a fase de utilização prevista do produto”. Deixemo-nos de conversa verde, está bem? Tínhamos umas garrafas que funcionavam perfeitamente e deixámos de ter porque havia quem deixasse as tampas no chão, na areia, no asfalto… ou porque nos centros de triagem de plásticos as deixavam passar. Isto não é a protecção do ambiente e da saúde mas sim a socialização da penalização enquanto cidadãos e um engano enquanto consumidores. Se das tampinhas passarmos para o que nos rodeia constataremos que não só não é a primeira vez que tal nos acontece como também que está a tornar-se prática habitual.

PS. A ERC deliberou. E não deliberou de qualquer forma. Sustentada “no exercício das atribuições e competências de regulação constantes, respetivamente, na alínea d) do artigo 7.º, e na alínea a) do n.º 3 do artigo 24.º dos Estatutos, aprovados pela Lei n.º 53/2005, de 8 de novembro” a ERC deliberou que a entrevista feita por José Rodrigues dos Santos a Marta Temido na campanha para as Europeias “pela forma como foi conduzida, afastou-se do registo de factualidade e das regras de condução da entrevista jornalística.” A entrevista está disponível para quem a quiser ver. O problema que nem o chega a ser não está obviamente na forma como a entrevista foi conduzida mas sim no facto de Marta Temido não ter sabido responder. Já o problema real e permanente está na concepção de jornalismo que só não designo como fofinho porque na verdade ele é mais fofura-camarada pois nesta matéria a esquerda em geral e o PS em particular considera que deve ser tratado de forma veneranda e obrigada. O que é grave é que várias instituições interiorizaram esse convencimento dos socialistas.