A manifestação mobilizada em Lisboa pelo Chega, no passado 29 de Setembro, da Alameda ao Martim Moniz, teve um mote razoável desvelado por André Ventura no início da marcha: “ (…) esta é uma manifestação histórica, no sentido em que é a primeira vez na história de Portugal em que um grande movimento sai à rua para dizer que quer não acabar com a imigração, mas controlo na imigração”.
Infelizmente, foi só o mote, porque 3 sinais decisivos da manifestação, se lidos em conjunto, são a marca de água de uma mobilização político-partidária simplesmente dirigida contra a imigração, esbarrando todos eles, numa penada, na identidade diferenciadora da nossa cultura, que é social-cristã e católica, além da nossa história.
Desde logo, pela confusão prévia, maniqueísta e populista permanentemente lançada pelo Chega na sua propaganda, na relação dependente que estabelece entre o tema da segurança interna em geral (de polícia, de política criminal e do sistema das penas) e o da imigração étnica, como se fossem função necessária uma da outra.
Com efeito, a segurança interna consiste “na actividade do Estado destinada a assegurar a ordem e a segurança públicas, a prevenção e repressão da criminalidade, respeito pela institucionalidade e legalidade democráticas, a proteção de pessoas, dos seus bens e dos seus direitos, liberdades e garantias.” (Lei n.º 53/2008, de 29 de agosto, na sua versão actual).
Valha a verdade, num Estado de direito a segurança interna é um tema geral e transversal (aliás, crucial) de governo, e não deve ser desvirtuado e reduzido a uma abordagem meramente migratória e étnica, ponto final. Isto dito, é claro e evidente que tem de existir sempre segurança, mas para todos.
Segundo sinal, a presença partilhada na manifestação de um grupo de pessoas que integrava o Mário Machado, alguém que é publicamente conotado há muito com a xenofobia, a discriminação racial e a supremacia branca.
Terceiro sinal, o mais decifrador, já no final da manifestação, no palco montado no Rossio, pela voz do próprio André Ventura: “Este foi o “tiro de partida” para um movimento de “reconquista da identidade nacional”. E repetiu: “Aqui mandamos nós, aqui mandamos nós, aqui mandamos nós”. (…) “O país costuma dizer que uma andorinha não faz a primavera, uma manifestação não faz a primavera. Mas é essa primavera lusitana, é essa primavera portuguesa que eu quero que vocês tenham no coração a partir de hoje: o maior movimento de sempre, de reconquista da alma nacional, de reconquista da nossa identidade e de reconquista desta bandeira”.
Como se estivéssemos a perder a alma com a migração, quando, afinal, as pessoas, na sua grande maioria, vêm em busca dessa alma e do que nos faz diferentes e Portugal melhor. E são uma ajuda imprescindível para a sua manutenção.
Sucede que o expediente político, demasiado fácil, da mobilização da ideia, supostamente vital, de uns nós cá dentro contra uns outros lá fora (como inimigos a abater, porque nos vieram roubar a identidade histórica, cultural e genética, o trabalho e o pão, e causar insegurança), além de que é auto-desculpante, errado e falso, é ontologicamente e moralmente abjecto. E tem de ser desmontado e rejeitado decisivamente, a começar pelos que são de direita, para evitar mais essa confusão.
Portugal é uma nação grande porque houve sempre lugar para mais um.