Na sequência do meu artigo de 19 de julho passado trago mais alguns elementos de reflexão à consideração do leitor. Desta vez, procuro reunir informação pertinente acerca do que eu denomino como a “constelação 4G+5G” com o objetivo de perceber melhor do que trata a economia digital deste imenso universo emergente.
O meu ponto de partida é a equação digital da constelação, a saber — 4G+5G=BD+RAV+IOT+IA+EC, tal como se mostra na tabela:
Vejamos agora o quadro geral da economia digital 4G+5G, tal como a entendo nesta fase, ou seja, enquanto todos aguardamos pelo lançamento (leilão) da rede 5G:
A economia digital da constelação 4G+5G
Eis os principais tópicos em aberto no desenvolvimento desta constelação:
- A cobertura territorial e a cooperação público-privada
- Investimento público em infraestruturas
- Parcerias entre os operadores e a administração pública
- Parcerias entre os operadores
- Cooperação com as coletividades territoriais
- O ambiente regulatório
- Quadro legal e regulamentar
- Quadro de atuação do regulador (preços e concorrência)
- Relações entre o regulador e os operadores (lobbying)
- A administração/regulação do sistema operativo das telecomunicações
- O acesso ao espetro eletromagnético (o leilão de lotes disponíveis em cada faixa)
- Os preços de reserva dos lotes e o financiamento do fundo de transição digital
- A integração e complementaridade entre as redes 4G e 5G
- A quantidade e qualidade dos serviços prestados
- A cooperação entre operadores (roaming nacional) em certas zonas do país
- Economia digital, o ecossistema empresarial dos novos serviços
- A formação de novos grupos empresariais em redor dos principais operadores
- As ligações destes grupos com o sistema científico e tecnológico
- Os incentivos à transformação digital das PME
- As novas cadeias de valor e modelos de negócio e suas ligações externas
- As competências e qualificações e os novos mercados de teleserviços
- O movimento starting up e os ecossistemas inteligentes de acolhimento
- A engenharia financeira e a fiscalidade adaptada ao novo ecossistema.
- Os grandes impactos da constelação 4G+5G
- Impactos ecológico e energético
- Impactos sobre a cidade e o urbanismo
- Impactos sobre os mercados de trabalho, o ensino e a formação
- Impactos sobre o tecido empresarial e a coesão territorial
- Impactos sobre a saúde pública
- Impactos sobre a privacidade e a cibersegurança.
Algumas áreas mais críticas a merecerem a nossa atenção
Recordo, pela sua pertinência, o que estabelece a RCM nº7-A/2020 de 7 de fevereiro relativa às comunicações móveis em Portugal. Assim, em execução da presente resolução, o Governo deve:
- Identificar os instrumentos de financiamento de projetos 5G, que possam servir de base ao desenvolvimento de projetos e ensaios tecnológicos 5G, tendo em considerações as regiões e os setores da economia nacional;
- Identificar e adotar as necessidades de interesse público relativas a segurança, defesa nacional e proteção civil relacionadas com as redes 5G, nomeadamente no respeitante ao futuro das redes de emergência;
- Desenvolver e publicitar estudos relativos ao eventual impacto do 5G na saúde pública com o objetivo de dotar a população de informação rigorosa sobre o assunto;
- Promover as iniciativas científicas, de investigação e pró-empreendedorismo que criem as condições para fomentar a capacidade endógena de conceber tecnologias, produzir conteúdos digitais, desenhar modelos de negócio, discutir padrões técnicos e reforçar a capacidade crítica da população na codefinição e na absorção das soluções de conectividade futura;
- Apoiar o desenvolvimento de testes de casos de uso nas áreas da gestão da plataforma marítima e da gestão do território rural utilizando os sistemas 5G;
- Estimular a criação de «zonas livres tecnológicas» onde possam ser desenvolvidos projetos experimentais;
- Desenvolver iniciativas com vista à promoção da eficiência energética e da sustentabilidade ambiental na instalação de sistemas 5G”.
Estes “avisos à navegação” são, em si mesmos, um programa de trabalho. Aqui chegados, porém, e por razões de espaço, faço uma referência especial a algumas áreas que me parecem especialmente críticas no futuro próximo da constelação 4G+5G.
Em primeiro lugar, as infraestruturas técnicas e tecnológicas das telecomunicações móveis e o seu enquadramento na paisagem urbana e no planeamento urbanístico. Trata-se de acolher os dispositivos emissores da equação digital e da constelação eletromagnética que referimos logo no início. As torres de comunicação móvel e as antenas em centros urbanos colocarão alguns embaraços ao planeamento urbanístico, pois estamos perante infraestruturas críticas sujeitas a um grau de exposição muito elevado. E é assim, mesmo que, numa fase inicial, a rede 5G aproveite a boleia da rede 4G.
Em segundo lugar, a generalização dos teleserviços e o seu impacto no ordenamento urbanístico e na economia urbana. Os cinco eixo da equação digital irão explodir em todas as direções com novos serviços digitais à distância, em praticamente todas as áreas de atividade Estamos a falar de uma revolução urbana iminente: na mobilidade urbana, no imobiliário urbano e na procura de habitação, na centralidade dos centros de decisão e sedes corporativas, na estrutura do comércio e na logística, nos fluxos turísticos, na prestação de serviços médicos, jurídicos e educativos e, por maioria de razão, no modo como a “inner city” se relaciona com a cidade periurbana e a cidade-campo. A recomposição destes três anéis da cidade, com as suas infraestruturas ecológicas, corredores verdes e parques agroecológicos, será uma verdadeira revolução urbana em direção à cidade inteligente e criativa.
Em terceiro lugar, e no contexto que acabei de descrever, vamos encontrar uma nova paisagem sociolaboral e socioprofissional da cidade inteligente e criativa, em consequência, justamente, das profundas transições técnicas, tecnológicas e profissionais e das intermitências laborais que elas provocam. Refiro-me às intermitências dos trabalhadores das plataformas digitais, capitalistas e/ou colaborativas, ou, então, a “gig economy” em regime de crowdsourcing. Neste contexto de transição acelerada para o universo da economia digital 4G+5G as intermitências serão muito frequentes e, por causa disso, faz falta um estatuto do trabalhador intermitente que considere a pluriatividade e o plurirrendimento, mas, também, alguma forma de “rendimento flexível”, por exemplo, um rendimento básico de existência sob determinadas condições.
Notas Finais
Como se observa, temos muito trabalho pela frente em matéria de economia digital 4G+5G. A RCM de 7 de fevereiro sobre o 5G faz vários avisos à navegação, mas as dúvidas permanecem relativamente a uma política digital de valorização do interior. Tudo leva a crer que, num primeiro momento, a rede 5G terá um duplo efeito de acumulação: aumenta os efeitos de aglomeração onde eles já existem e aumenta os efeitos de dispersão onde eles já existem (o interior mais remoto). Assim, não surpreenderá que, nesta fase, o interior mais remoto fique nas mãos de plataformas de alojamento local, de turismo de natureza, de desportos radicais, de observação da fauna e flora, de apoio domiciliário, entre outras, ou seja, territórios em regime de serviço ambulatório e colaborativo.
Quero, porém, terminar com uma nota positiva. Se a política pública for bem conduzida e administrada pode haver uma fertilização cruzada e virtuosa entre ecologia (pacto ecológico europeu), urbanismo (cidades inteligentes e criativas) e digital (programa de transição digital), de acordo com o princípio geral de” mais cidade no campo e mais campo na cidade”. Uma articulação bem desenhada entre uma ecologia mais funcional (biodiversidade, ecossistemas e serviços de ecossistema), um urbanismo mais policêntrico (a cidade orgânica, o plano verde) e uma rede digital mais distribuída (a plataforma integrada de analítica urbana) pode trazer-nos resultados bem agradáveis no modo como perspetivamos e realizamos o ordenamento do território. Para acompanhar em próximos episódios.