Este ano os alunos dos 2.º, 5.º e 8.º anos escolares foram submetidos à realização das provas de aferição eletrónicas, as quais estiveram envoltas em polémicas que o Ministério da Educação (ME) e o Instituto de Avaliação Educativa (IAVE) desvalorizaram. A dificultar a implementação da medida temos a realidade do nosso país cuja rede escolar é constituída por um conjunto de estabelecimentos de ensino com características muito diferentes quanto à disponibilidade de recursos, especialmente os tecnológicos. E, quando este processo implica o uso de uma aplicação, que tem de ser instalada nos computadores de cada aluno para poderem realizar as provas, num país onde a cobertura rede de internet é tão inconstante, e onde nem todos têm computador, compromete-se grandemente a performance dos alunos.

Com esta mudança de paradigma, em vez de levarem a tradicional caneta, 250 mil alunos foram para o exame demostrar os seus conhecimentos através de um teclado e rato do seu computador.

As provas de aferição eletrónicas lá decorreram, mas foram muitos os problemas técnicos que surgiram: computadores “totalmente bloqueados”, rato e teclados bloqueados, perda da ligação ao sistema operativo, encerramento inesperado da aplicação obrigando a reiniciar o computador, com a agravante de que estas quebras, numa grande parte das vezes, não guardaram as respostas dadas pelos alunos obrigando-os a uma segunda resolução.

De todos os problemas surgidos, o mais preocupante neste indicador de literacia digital foi o que ele revelou: apenas um em cada quatro alunos realizou a provas de aferição dentro do tempo previsto. O que terá contribuído para este resultado?

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Sabemos que as provas de aferição são um instrumento que pretende aferir o nível de aprendizagem das crianças e adolescentes que integram o Ensino Básico, mas que não influenciam as notas dos alunos. Atualmente são aplicadas a meio de cada um dos ciclos, ou seja, no 2º, 5º e 8º anos pois a ideia é que a partir dos seus resultados, caso seja necessário corrigir alguma coisa, o mesmo se faça antes do fim de cada um dos ciclos.

Mas as crianças do 2.º e 5.º anos não tem competências digitais que lhes permita, com total autonomia, realizar um exame digital. Eles não sabem escrever no teclado!! Aliás, os alunos do 2.º ano têm entre sete e oito anos estão a aprender a desenvolver as competências de leitura e de escrita, e o que treinam em sala de aula é caligrafia. Contudo, nas provas de aferição passaram deste “estágio” para a escrita em letra impressa. A aprendizagem da caligrafia é um caminho que tem de ser feito, pelo que não deve ser subtraído aos alunos as competências que lhes vão ser absolutamente cruciais para a construção de um pensamento e raciocino lógico.

Já imaginaram o tempo que cada criança perdeu só à procura das letras no teclado? A dificuldade dos alunos residiu no facto de a grafia das letras ser bastante diferente daquela a que estão habituados e lhes ensinam. Mas, não são os seus conhecimentos dos alunos que a prova de aferição pretende medir?

Entendemos que aquilo que a prova dificilmente medirá são os seus fins: i) acompanhar o desenvolvimento do currículo nas diferentes áreas; ii) fornecer informações detalhadas sobre o desempenho dos alunos à escola, aos professores, aos encarregados de educação e aos alunos; ou iii) potenciar uma intervenção pedagógica atempada nas aprendizagens de cada aluno. Porque se fosse nunca deveria ao nível dos 2º e 5º anos ter sido feita em formato digital.

No caso dos 2.º e 5º anos não foram as aprendizagens essenciais que estiveram em causa nas provas de aferição eletrónicas, porque essas deveriam ter sido expressas na forma manuscrita, como os alunos estão habituados a fazer e como lhes ensinam na escola. E foi precisamente por não dominarem o instrumento “teclado” que os alunos não conseguiram concluir a totalidade da prova, já que em algumas questões se pedia a explicação da resposta dada. E esta situação é tão ou mais grave dependendo do contexto educativo, social e económico em que os alunos estão inseridos. Os seus conhecimentos foram comprometidos por a prova ser feita com recurso a um teclado. E isto não deveria acontecer.

O que verdadeiramente esteve em causa nas provas de aferição eletrónicas foram as competências digitais. Que todos reconhecemos serem muito importantes e indissociáveis de qualquer escolha que os alunos venham a fazer para o seu futuro. Agora, de pouco vale fazer o telhado se as fundições não forem sólidas. E com isto, não se percebe se as metas estão ou não a ser alcançada pela escolas e pelos professores.

As mudanças de paradigma só vão realmente acontecer quando envolverem obrigatoriamente, cinco dimensões: a política, a tecnológica, a pedagógica, a curricular e a da formação de professores. É esta a mudança que precisamos para o nosso país. É esse o caminho e que não pode ser encurtado, tem de ser caminhado!

Aí Portugal não sejas ingénuo, o facto de tudo acontecer num enquadramento tecnológico não significa que seja a tecnologia que vai fazer mudança. O que faz a mudança é sabermos exatamente o que queremos para a Escola.