A endogamia é o casamento reiterado entre pessoas da mesma família. O termo é usado para caracterizar actividades de tribos remotas. O estudo das tribos remotas é incerto e difícil, justamente porque é da sua natureza não se encontrarem à mão. Consequentemente o conhecimento da endogamia apresentou até há pouco tempo um desenvolvimento limitado. No entanto existem hoje modos práticos de estudar a endogamia. Tal como em vez de ir a Coimbra ou ao México podemos ver os filmes em casa, assim há disponíveis relatos de conúbios endogâmicos que não requerem deslocações. Os mais fiáveis encontram-se nas cinco revistas científicas (por ordem alfabética: Paras, Pente, Pip, Plash e Pux.)

A leitura destas revistas pode parecer árida; a aridez é porém o inconveniente menor da ciência séria: o exame daquilo a que o principal especialista contemporâneo chamou “as cosmovisões indígenas” é sempre difícil e exigente. Nas revistas o método seguido é o de dar a palavra aos nativos, e de os interrogar com afinco. Os resultados são inequívocos: ao contrário dos civis, que falam irreflectidamente de um número muito grande de coisas e revelam por isso ter espíritos frívolos, os nativos falam de poucas coisas. As suas capacidades linguísticas são tersas e austeras, e foram já comparadas às dos antigos romanos. Só falam de quem seja nativo; e eles são também nativos. Nada do que é nativo lhes parece estranho.

Os cientistas acreditam que a família endogâmica inclua apenas um número limitado de géneros e espécies: e embora se sinta a falta de um inventário completo, parece ser ponto assente que dela não fazem parte contabilistas, vendedoras de fruta ou solteirões. A grande família endogâmica inclui no entanto sem margem para dúvidas jornalistas e actores, futebolistas e cirurgiões plásticos, e vários tipos de enteados a quem todos chamam Matilde. Naturalmente não se resume a isso; fazem ainda parte da família espécies compósitas como a modelo-doente, o cão-jornalista, ou o empresário-cantor, e espécies morganáticas como a do colunista-vidente ou a do autarca-modelo. Pouco importa quantos são: todos procuram a felicidade em público, e por via oral. Fazem-no caracteristicamente uns com os outros, dando origem a um número enorme de permutações endogâmicas.

A vida de revista que daqui resulta é variada como os padrões de uma colcha, ou como receitas de bacalhau. Para encontrar a felicidade basta aos nativos limitar o adultério aos membros da sua família. A lei desta vida é infalível como a lei da probabilidade total: os cientistas sabem hoje que qualquer estilista, desde que tenha desgostos, tenderá a viver com o cão de um actor; que qualquer personagem, desde que saiba cantar, tenderá a adoptar acompanhantes de futebolistas; e que qualquer escritor, desde que seja jornalista, tenderá a escrever um livro. Nenhum empresário, contudo, pode casar com um solteirão.

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