Numa altura em que começa a preparar as próximas eleições, António Costa decidiu dar uma grande entrevista a uma revista que acumula uma tripla condição: leitores fiéis, tiragens altas e a ideia de colocar o primeiro-ministro na capa da sua edição de aniversário. Falo, obviamente, da revista “Cristina”, que comemora agora três anos.

Como a entrevista não foi feita por um jornalista, António Costa estava, naturalmente, “bem-disposto”, como o descreveu a apresentadora de televisão Cristina Ferreira, que conseguiu — com mérito — o scoop para a sua revista. Apesar de ser um político profissional há décadas, apesar de ter aparecido em dezenas de cartazes, apesar de ter andado anos e anos a tentar atingir a notoriedade que lhe permitisse pedir votos e apesar de estar diariamente rodeado de fotógrafos, o primeiro-ministro tentou convencer os leitores da revista “Cristina” que “não gosta de tirar fotografias”. É, porém, um tímido simpático: mesmo com essa curiosa aversão a fotos, “dispôs-se a isso e até a mudar uma mesa de sítio” para a imagem ficar melhor.

O objectivo político de António Costa com esta entrevista pode parecer uma redundância, mas era uma absoluta necessidade política: mostrar que é um ser humano. Depois da reação desastrosa aos fogos de Verão — e depois do terrível contraste entre a sua actuação e a do Presidente da República — agarrou-se a uma fórmula que tentou transformar um defeito numa virtude. Na conversa com Cristina Ferreira, o primeiro-ministro repetiu-a ao falar sobre os incêndios; e fê-lo com tanta eficácia que a frase acabou no título da entrevista: “Tenho um grande pudor em exteriorizar sentimentos e emoções”.

Em certo sentido, tem graça. Logo na página 4 da revista, Cristina Ferreira anunciava o que se pretendia da entrevista: “Dá um friozinho na barriga quando se espera o primeiro-ministro e se quer falar de emoções”. E, realmente, ao longo de vinte preenchidas páginas, o primeiro-ministro que tem “um grande pudor em exteriorizar emoções” revelou-se um exteriorizador profissional. Fala da mãe, fala do pai e fala da separação entre os dois. Fala da filha, fala do filho e fala dos seus desejos para eles. Fala da mulher, fala do seu casamento e fala do regresso a casa todos os dias, com “a Fernanda à sua espera” (palavras da entrevistadora), como “um dos bons momentos do dia”. Fala das “desilusões” da política, fala do “orgulho em ser primeiro-ministro” e fala da “saudade de poder simplesmente não ser reconhecido”.

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Há dias, depois de ter violentado assim a sua natureza de alguém com “um grande pudor em exteriorizar sentimentos e emoções”, António Costa deu outra entrevista, a outra revista, que comemorava outro aniversário. À “Visão” — que também teve o mérito deste scoop –, António Costa disse que, no lugar de Angola, “talvez fizéssemos o mesmo” perante um caso Manuel Vicente português; que não se demitirá se se repetir a tragédia dos fogos; e que o PS é o grande defensor do Ministério Público. Vocês, não sei, mas perante estas demonstrações de clarividência política eu voltei logo a correr para as “emoções” da revista “Cristina”.

P.S. 1: Por razões misteriosas, o Parlamento decidiu organizar uma conferência sobre violência no futebol e convidar presidentes de clubes. Bruno de Carvalho comportou-se da forma habitual — mas, desta vez, com o alto patrocínio da Assembleia da República. Os deputados não aprendem: este futebol é tóxico.

P.S. 2: Isabel dos Santos defendeu-se num processo de arbitragem internacional com uma frase imbatível: “O meu forte não são as contas”. Para uma “empresária”, não é grave. O importante, como se sabe, é que seja boa em genealogia.