Visitas de estudo à Assembleia da República (AR) já se tornaram prática habitual no dia-a-dia da “casa da democracia”, mas esta terça-feira, 3 de abril, jovens estudantes foram substituídos pelos pesos pesados do futebol português. “A Violência no Desporto vista pelas Organizações do Fenómeno Desportivo” foi o mote do primeiro painel de análise — “A Justiça e a Violência no Desporto” e “Violência no Desporto: Que Papel para a Comunicação Social” são os outros em agenda — e Bruno de Carvalho, Presidente do Sporting Clube de Portugal (SCP), foi das vozes mais participativas.

O dirigente leonino falou pouco mais de meia-hora, mas foi o tempo suficiente para refutar a teoria de que os dirigentes desportivos são os responsáveis pelo clima violento que se instalou no futebol português. Apontando o dedo à comunicação social e ao “lixo-tóxico” que ela produz através, principalmente, “dos programas televisivos”, Bruno de Carvalho afirmou que, se fosse presidente da Liga, proporia que, “durante duas semanas, os presidentes dos clubes não falassem”. Uma ação que, segundo o próprio, “mudava zero, porque a comunicação social continuaria com o seu papel de lixo tóxico, infelizmente.”

Em jeito de contraponto preferiu realçar a importância dos clubes para a valorização do desporto futebol: “Mais importantes do que os jogadores e os treinadores são os clubes. Se não fosse pelos clubes, vocês não se sentavam aí. Os clubes estão a ser o único garante de que o futebol ainda tem adeptos, porque as entidades que regulam o futebol estão a afastá-los. A culpa não está do lado de cá, tem de estar desse lado”, afirmou.

O que fazer em relação a isto? “Se nós queremos uma juventude com mais valor, temos que lhes ensinar coisas como o que é que de facto foi o 25 de abril e os erros do 26. O que é a liberdade de expressão e a libertinagem, o que é estar à vontade e à vontadinha , o que de facto é ter respeito pelos pais ou não ter.” A isto junta-se também a necessidade de dar aos clubes mais ferramentas para poder interditar adeptos violentos da mesma forma que se fez em Inglaterra, nos anos 80. “Há demasiada burocracia” e isso faz com que “os clubes não consigam prevenir” e “depois têm de pagar as multas.”

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Já no segundo painel da conferência, que abordava o papel da comunicação social na violência no desporto, Bruno de Carvalho excedeu o tempo que lhe era destinado e foi interrompido pelo moderador. No vídeo divulgado pelo Record, o presidente do Sporting repete que está “mesmo a terminar” e pergunta ao moderador se vai mesmo retirar-lhe a palavra. São-lhe dados dez segundos: em que Bruno de Carvalho fica em silêncio e acaba por desligar o microfone, com visível desagrado.

Guerra de blogues e tarjas

De regresso à casa que conheceu bem quando ainda era criança — a sua mãe, Ana de Carvalho, chegou a trabalhar na AR –, o presidente do Sporting decidiu começar por falar do episódio recente que envolve uma tarja exposta no passado jogo dos leões contra o Sporting de Braga. Nela lia-se “Burro de Carvalho/Vives Agarradoà B(r)anca”,uma alusão ao rumor levantado no blogue afeto ao Benfica “Hugo Gil”, em que se falava de uma eventual adição às drogas de Bruno de Carvalho.

“De uma forma absolutamente gratuita — aliás, aconteceu outra vez neste último jogo em Braga — fui chamado de drogado”, começou o dirigente por explicar antes de referir uma queixa — não considerada, pois foi entendido que o referido Hugo Gil estava “no seu direito de liberdade de expressão no que diverge a diferenças clubísticas”  — que fez ao Ministério Público sobre este caso.

Já percebi que para o Ministério Público, as pessoas terem divergências clubísticas dá o direito de chamar drogado aos outros. Fiquei espantado e acho que realmente vamos longe numa sociedade em que o próprio Ministério Público não tem completa noção do que é a liberdade de expressão.” E foi assim lançada a primeira farpa do dia.

Sentado a três cadeiras de distância de Luís Filipe Vieira — cuja voz não se ouviu nem uma vez –, Carvalho prossegue, apontando a mira, desta vez, ao Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). “Diz-se aqui que há uma taxa zero de prescrição no IPDJ, mas eu acho que eles devem ter o recorde do Guiness na taxa de arquivamento — o que realmente vai dar quase à mesma coisa.”

Novo alvo: Introduzindo o tema das multas que são impostas aos clubes de futebol sempre que os seus adeptos apresentam comportamentos questionáveis, Bruno de Carvalho fala para Fernando Gomes, presidente da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) quando diz que estas apenas servem para tirar dinheiro “de onde ele devia estar, nos clubes”.

Quando oiço falar das multas e todos esses regulamentos e sanções [da FPF] — e peço desculpa, até porque estão aqui vários elementos das forças policiais — isso faz-me lembrar as multas ao excesso de velocidade nas auto-estradas. Todos sabemos que a grande mortalidade tem é a ver com manobras perigosas.”

Dando a entender que ele próprio já tinha, em 2013, sugerido uma série de medidas relacionadas com “novas tecnologias, violência no desporto, situações fiscais , a defesa da honra e da dignidade dos árbitros, a defesa dos clubes formadores”, que visavam o melhoramento da conjuntura futebolística atual (dentro e fora dos campos). De forma resumida, o que Bruno de Carvalho pretendia dizer com isto é que não está a ser dada atenção àquilo que se devia — “nós continuamos todos focados muito mais no acessório e na consequência do que na causa das coisas”.

As perguntas de Bruno de Carvalho

No final da sua intervenção, o dirigente leonino dirigiu algumas questões concretas à Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol (APAF), à Liga e à FPF — que não ficaram sem resposta. Em relação a Fernando Gomes, o líder leonino questionou o visionamento das imagens do vídeoárbitro nos estádios, ao que o presidente da FPF assegurou que “os regulamentos não permitem a passagem dos lances duvidosos nos estádios”.

Por sua vez, Luciano Gonçalves, presidente da APAF, reconheceu que o Sporting tem tido “comportamentos” em prol da dignificação da arbitragem, “mas que todos podem fazer muito mais”, contestando ainda a ideia de Bruno de Carvalho sobre a ausência de correlação entre as palavras dos dirigentes e a violência no desporto.

A terminar, Joaquim Evangelista, presidente do Sindicato de Jogadores, vincou que “todo o futebol está sob suspeição” e que a recente tomada de posição dos capitães de equipa está em linha com a própria postura do presidente do Sporting, quando este se sentiu ofendido na sua “dignidade pessoal” e acabou por convocar eleições.

“Não são todos iguais. Os jogadores exigem respeito, como o presidente do Sporting, do Benfica ou da Liga. Eles é que são o maior ativo do futebol português. Há um ambiente castrador no futebol português”, frisou, ao que Bruno de Carvalho ripostou: “No meio de tudo o que se está a passar no futebol, o que se está a passar com os jogadores é o mais diminuto.”

Fernando Gomes e a maior dureza face aos ataques às arbitragens

O presidente da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), Fernando Gomes, foi um dos primeiros a ter a palavra nesta conferência “Violência no Desporto” e apelou a um agravamento das penas para os dirigentes que ataquem a arbitragem, defendendo novamente a criação de uma autoridade administrativa autónoma para o combate à violência.

O líder federativo salientou que o organismo que tutela está atento e a atuar em relação ao aumento dos casos de violência, enumerando o crescimento das multas em relação à última época: 26% para o comportamento de adeptos e 245% sobre os dirigentes. “Defendemos regulamentos mais duros, que inibam as pessoas do futebol a contribuir para a destruição do setor”, disse Fernando Gomes.

Temos um problema grave de apreciação do trabalho de arbitragem. É inaceitável que agentes desportivos contribuam para a destruição da figura do árbitro. Incentivamos os clubes a endurecer as penas para quem coloca em causa a seriedade dos árbitros”.

Sem deixar de recusar o papel de “comentador”, face aos regulares pedidos de intervenção de diversos agentes, Fernando Gomes alertou, porém, que é o tempo das instituições avançarem com eventuais mudanças aos quadros regulamentares. “É altura de a estrutura profissional voltar a refletir. Estamos a três meses de poder alterar regulamentos para a próxima época. É preciso fechar processos, concretizar procedimentos, mudar atitudes e obrigações. Temos todos que fazer tudo para que seja possível começar a próxima época com outra capacidade de resposta”.

O presidente da FPF voltou a relembrar algumas das ideias apresentadas numa audiência na Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, em outubro de 2017, e, expressando a sua satisfação pela atenção que a Assembleia da República está a ter sobre as mesmas, reiterou a importância da criação de uma autoridade autónoma administrativa.

“Defendemos a criação de uma autoridade administrativa, exclusivamente vocacionada para a segurança e combate à violência no desporto, dotada de recursos e não apenas de atribuições e competências, que tornem exequível a celeridade e inevitabilidade da ação sancionatória face à inobservância da Lei. Tal organismo deverá ser central, autónomo e especializado”, disse.

Já sobre a crescente preocupação com o mau comportamento dos adeptos, Fernando Gomes preconizou uma “maior eficácia na aplicação das medidas de acesso a recintos desportivos”, bem como possíveis “mudanças na política de apoios e regulação dos grupos de adeptos” no futebol português.