Há cerca de duas semanas, os Global Shapers Lisbon e o movimento 100 oportunidades enviaram ao governo português uma carta aberta com “50 Medidas para um Debate Intergeracional de Fundo na Sociedade Portuguesa pós Covid-19”. Neste espírito, quis partilhar uma visão dos jovens do 3º ciclo e do ensino secundário com quem trabalho. Ouvindo os jovens, torna-se claro o quanto a escola é essencial para a coesão social.
E o que nos têm dito os alunos de Chaves a Braga, Gondomar ao Fundão, de Portimão a Arraiolos, Loures ou Faro?
A maioria dos jovens sente que está a aprender menos do que no ensino presencial. Constatámos que os jovens têm uma literacia digital baixa e que fazem um uso maioritariamente passivo da tecnologia, isto apesar da percepção ser de que os jovens são nativos digitais. No início da quarentena, foi importante os professores ajudarem os alunos a perceber como funcionam as plataformas digitais usadas no ensino à distância. Afastados da escola e em casa, muitos tiveram dificuldade em manter as rotinas; acordavam mais tarde por exemplo. As primeiras aulas do dia eram seguidas ainda na cama com a câmara desligada e sua motivação era baixa. Um grupo de alunos, decidiu mesmo que preferia chumbar para poder repetir o ano num formato presencial.
As escolas fechadas têm um impacto social enorme nos jovens, pois a escola desempenha um papel muito mais abrangente do que a função de ensino. Temos relatos de alunos que não vão às aulas, porque têm de tomar conta dos irmãos ou de outros que estão nas aulas online com bebés ao colo. Um aluno só podia fazer os trabalhos de casa depois das 22h, pois partilha o computador com os pais que estão em teletrabalho. Como tem sido falado na comunicação social, muitos alunos não têm equipamentos para aceder ao ensino online, isto apesar dos esforços das Escolas, de Câmaras Municipais e mesmo da sociedade civil que tem tentado mitigar esta limitação. Em algumas escolas com quem trabalhamos, há turmas inteiras sem equipamentos. A solução tem sido ir à escola buscar fichas e noutros casos enviar as mesmas pelo correio ou mesmo levar as fichas a casa com a ajuda da polícia.
Um dos aspetos positivos que os jovens destacaram da quarentena foi a oportunidade de passar mais tempo com os seus pais. Antes da quarentena, os jovens passariam até duas horas por dia com a sua família, isto no melhor dos cenários. Um grupo, que é mais reduzido do que gostaríamos, aproveitou o ensino à distância para gerir o estudo de forma a ter mais tempo livre. Outros aproveitaram o ter de ficar em casa para jogar jogos online com os amigos. O excesso de proximidade para alguns jovens, aumentou a tensão familiar pois passaram a ter menos independência e os pais acumularam a função de professor. Nesta fase da vida em que o seu grupo de amigos é essencial e que começam a ganhar a sua independência, o confinamento tem gerado alguma frustração.
O contexto atual mostra a importância e a falta de promover mais autonomia nos jovens. Existe uma boa percentagem de alunos que são autónomos a gerir as suas rotinas e o seu estudo. Este grupo é significativo, mesmo que ainda minoritário. No entanto, a maioria dos alunos precisa de um nível de apoio dos seus professores que só a proximidade em sala de aula garante e que em casa, nem todos os pais tem condições de oferecer. Alguns professores utilizavam as curtas aulas online para motivar os alunos e tirar dúvidas. O estudo e a aprendizagem, propriamente ditos, tem sido feito pelos jovens a estudar sozinhos ou com os colegas online.
Outra lição que reforçamos é que a relação professor aluno é essencial na aprendizagem. O que nos diz a psicologia cognitiva é que para o ensino digital ou à distância ser eficaz, ele deve replicar as mesmas estratégias que funcionam no ensino presencial. Os professores com quem os alunos já tinham uma boa relação, adaptaram-se bem até porque os alunos co-criaram soluções com os professores. Os alunos que já se sentiam menos próximos de alguns professores, num contexto digital, sentiram-se ainda mais afastados e estão nas aulas online mais a marcar presença. O ensino presencial permite mais possibilidades. Os alunos no ensino presencial podiam aprender trigonometria através de robótica, mas em casa já é mais difícil replicar estas experiências.
A escola é a linha da frente do estado social! A comunidade escolar consegue conhecer os alunos, os seus problemas e necessidades. E a Escola já tem em si muitas valências essenciais para garantir a coesão social desde alimentação, violência doméstica, saúde mental, etc; mesmo que nem sempre funcionem ainda a um nível ideal. Segundo o Conselho Nacional de Educação (CNE) no seu relatório “Estado da Educação 2018”, 36,1% dos alunos recebiam apoio escolar, 20,7% estavam no escalão A e 15,4% no B. E segundo o INE, 21,9% da população até aos 17 anos está em risco de pobreza; o que representa mais de 260.000 jovens. Em várias escolas as cantinas já estão a 110%, pois já há famílias a depender da escola para comer. O cenário actual já é de 931 mil trabalhadores em layoff com um corte de um terço no rendimento, um desemprego acima dos 10%, ou 353 mil desempregados, e a escola já está a ter um papel essencial no apoio às famílias. Infelizmente, a expectativa é que venha a aumentar.
As escolas fazem falta aos jovens e deveriam abrir mais cedo do que mais tarde, isto sempre respeitando as normas sanitárias. O Ministério da Educação poderia ambicionar um simplex ou redução burocrática de forma a libertar os Professores a) para planear o novo ano que terá ensino misto, presencial e à distância, e b) para oferecer aulas de reforço para compensar as aprendizagens perdidas.
Afonso Mendonça Reis é fundador das Mentes Empreendedoras, Inspira o teu Professor, Global Teacher Prize Portugal, foi nomeado um Global Shaper em 2012 pelo Fórum Económico Mundial.
O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para semanalmente discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, partilharão com os leitores a visão para o futuro do país, com base nas respetivas áreas de especialidade, como aconteceu com este artigo sobre educação. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor e não vincula os Global Shapers de Lisboa.