A história conta-se rapidamente.

Nuno Palma foi à conferência do Movimento Europa e Liberdade chamar a atenção para o facto de que atribuir ao Estado Novo o atraso de Portugal dificulta a discussão sobre os verdadeiros factores de atraso do país, em especial a estagnação nos últimos vinte anos e a actual divergência em relação aos países mais desenvolvidos.

Para sustentar esta tese – o resumo da tese é a minha interpretação do que disse Nuno Palma, outras pessoas poderão achar que resumo mal o que se passou, mas quem quiser pode avaliar directamente o ponto de vista de Nuno Palma aqui – Nuno Palma contrariou, com factos, ideias comuns fora dos meios científicos que se dedicam ao estudo da evolução da economia portuguesa no longo prazo.

Essencialmente disse que o maior período de convergência de Portugal com os países desenvolvidos, nos últimos duzentos anos, é o que vai de meados dos anos cinquenta a meados dos anos 70, durante o Estado Novo, isto é, entre a adesão à EFTA e o primeiro choque petrolífero, para além de ter chamado a atenção para a melhoria expressiva dos indicadores sociais relativos à literacia durante o Estado Novo, comparando-os com o pobre desempenho da primeira república.

Nada disto são novidades – apesar do artigo interessantíssimo e recente de Nuno Palma e Jaime Reis em que se procura compreender as razões que determinaram um maior sucesso do Estado Novo em relação à Primeira República no que diz respeito à educação  – são ideias padrão para quem estuda este período da história económica nacional, só que há um grande desfasamento entre estas ideias correntes na academia e as ideias correntes na generalidade da sociedade.

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Várias pessoas resolveram dizer que Nuno Palma estava a branquear o Estado Novo, acabando por se estabelecer alguma polémica pública sobre o assunto.

O que se conhece do trabalho intelectual de Pedro Marques e Ana Catarina Mendes, por exemplo, não justifica que se perca tempo com os argumentos que usaram nesta polémica, de tal maneira a sua intervenção na polémica foi indigente.

Questão diferente é a entrada na polémica de Pacheco Pereira que teria obrigação de saber alguma coisa sobre ao assunto.

Sobre os factos, Pacheco Pereira não comete o erro de os negar, o que faz é pretender que os factos são irrelevantes fora de um contexto que é preciso conhecer.

Na verdade, o que lhe interessa não é compreender a história económica do país para nos ajudar a pensar sobre o que fazer, mas apenas atacar os “radicais de direita de uma actual geração, cujas intervenções públicas vivem da defesa de governos “fortes” da TINA, a que chamam “anti-socialistas”, ligada aos interesses económicos, ou da nostalgia de momentos autoritários de forte conteúdo inconstitucional, como aconteceu no Governo troika-Passos-Portas, e tendo como alvo as classes médias “baixas”, aquelas que saíram da pobreza através do Estado, em Portugal como em todo a Europa”.

Este tipo de conversa vinda de Pacheco Pereira, o mais relevante exemplo do mais seguro grupo de comentariado nacional – os comentadores de direita que só dizem coisas de esquerda – não é nada de estranhar e não vale a pena perder tempo com ela.

Surpreendentes são os argumentos a que Pacheco Pereira deita mão para defender a tese abstrusa de que Nuno Palma foi à convenção do Movimento Europa e Liberdade branquear o Estado Novo “para justificar sociedades desiguais moralmente inaceitáveis por gente que preza a dignidade humana”.

“de 1933 a 1942, ou seja, já bem dentro da II Guerra, os alemães melhoraram as suas condições de vida, o PNB aumentou significativamente, os salários dos operários alemães cresceram … Se eu disser apenas isto, não estou a fazer história, estou a escrever um manifesto político que funciona como legitimação do nazismo, mesmo que se diga que “no plano político era indefensável”. Falta o resto e o resto é explicativo para os sucessos anteriores. A ausência de lei e de liberdade, de sindicatos, de direitos laborais, o papel da economia militarizada, mais um milhão de presos políticos, trabalhos forçados de estrangeiros, seis milhões de mortos no holocausto, 25 milhões de mortos na guerra da URSS, sete milhões na própria Alemanha, execuções em massa, etc., etc. …”

Confesso que tive de ler várias vezes para ter a certeza de que Pacheco Pereira estava a escrever que a ausência de lei, de liberdade, de sindicatos, etc., era o que explicava o sucesso económico da Alemanha da ascensão do nazismo, mas é mesmo Pacheco Pereira que clarifica o seu ponto de vista, escrevendo “Por comparação, com a República de Weimar … o nazismo ganha e não é por pouco. E, se não houvesse Plano Marshall, ganhava por muitos anos à República Federal Alemã”.

Bem sei que Pacheco Pereira e os factos têm uma relação bastante aberta – bastaria olhar para a comparação da luta contra o analfabetismo em Cuba e no Estado Novo, em que escolhe ignorar por completo que Cuba era um país bem mais desenvolvido que Portugal no momento da revolução cubana, e muito mais ainda no momento inicial do Estado Novo – mas ignorar toda a experiência empírica e teórica sobre o efeito do primado da lei e a liberdade na melhoria da eficiência económica, para defender que os ganhos económicos e sociais resultam das restrições das liberdades públicas promovidas por ditaduras, ultrapassa tudo o que eu estaria à espera por parte de intelectuais minimamente informados, como Pacheco Pereira.

Se a questão fosse Pacheco Pereira, daí não viria mal ao mundo, mas Pacheco Pereira é aqui apenas o símbolo de como as elites instaladas podem ir longe na manipulação da informação para manter intocada visão hegemónica da sociedade que lhes garante a sua posição dominante.

E é esse reaccionarismo estrutural que é preocupante e vale a pena combater.

“Estudem que vos faz falta”, dizem eles, criando uma cortina de fumo sobre o que verdadeiramente está em causa: a liberdade de cada um dizer o que entende, independentemente dos seus estudos, sem que tenha de aturar estas pulhices por parte dos donos do regime.