Conjuremos, se estiver ao alcance da nossa imaginação, uma arena eleitoral na qual a esquerda, essa quimera envolta em mantos de utopia, renuncia  voluntariamente ao seu arsenal de sofismas. Visualizemos um palco de disputa  ideológica tão imaculado quanto as águas de um manancial virgem, intocado  pela contaminação das ambiguidades e das manobras argumentativas  ardilosas.

Neste reino de pura fantasia, os paladinos da esquerda, mestres consumados  na arte de erigir espantalhos para depois heroicamente desmantelá-los, optam  por despir-se das suas armaduras de falácias. Eles entregam-se a uma  transparência tão límpida, tão inquestionável, que até os mais céticos se veem  compelidos a ponderar se não teriam adentrado, por algum capricho do destino,  uma dimensão paralela.

Os ataques ad hominem, essas setas envenenadas que eram disparadas com a  destreza de um campeão de arco e flecha, cedem lugar a argumentações tão  robustas que poderiam servir de alicerce para a ereção de uma nova Acrópole.  As escorregadelas argumentativas, que outrora brotavam com a regularidade  das marés, agora jazem como artefactos de uma era bizantina, em que a lógica  era uma visitante esporádica nos areópagos políticos.

E quanto às campanhas orquestradas nas redes sociais? Essas redes, antigos  campos de batalha onde a esquerda executava a sua coreografia de verdades  pela metade com a destreza de uma “étoile”, são agora transformadas em ágoras  de debate racional, onde cada publicação é um tratado de ética e cada tweet,  um manifesto de retidão intelectual.

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Todavia, como é característico das utopias, um véu de irrealidade permeia essa  visão. Estamos, afinal, a discorrer sobre a política, esse palco onde o drama  humano e a comédia frequentemente entrelaçam-se. E a realidade, sempre  pronta a nos despertar, nos lembra que as falácias são tão intrínsecas ao  discurso político que aguardar a sua extirpação total seria tão fútil quanto  aguardar pelo crepúsculo no oriente.

Contudo, a presente crónica transcende o mero devaneio imaginativo,  constituindo-se num apelo veemente por transformação. Pois, embora possa ser  um deleite intelectual fantasiar com uma campanha desprovida de engodos, o  propósito supremo é fomentar uma evolução na cultura política. Uma evolução  que honre a sagacidade do eleitorado e fomente uma democracia mais robusta,  onde a transparência e a honestidade não sejam meros ornamentos retóricos,  mas sim valores encarnados e vivenciados por todos os atores políticos.

Assim, enquanto a utopia se mantém como um horizonte distante, a crónica  ergue-se como um estandarte, lembrando-nos de que a marcha rumo a uma  política mais elevada inicia-se com um passo singelo – ou, neste caso, com uma  palavra esculpida com a precisão da ironia mais afiada.