Tal como descrita pela comunicação social, a proposta de orçamento recentemente apresentada levanta uma questão flagrante de inconstitucionalidade – e também de contrariedade com o direito europeu –, a qual se prende com o regime especial temporário em sede de IRS para portugueses que regressem do estrangeiro.

Na verdade, uma distinção entre cidadãos – sob pena de ser inconstitucional à luz do princípio da igualdade – reclamará uma justificação normativamente relevante. Em sede de taxas de IRS, justificações dessas encontram-se, por exemplo, na promoção da igualdade real (com a progressividade do imposto) ou na proteção da família, da infância ou da velhice (com a variação da taxa em razão do número de dependentes). Mas é a promoção do regresso de cidadãos portugueses residentes no estrangeiro uma justificação de cariz idêntico?

Tenho desde logo dúvidas que tal promoção possa ser uma justificação diferenciadora, quanto mais normativamente relevante, no que diz respeito a portugueses que hajam residido na União Europeia. Um Estado integrado na União Europeia – na qual imperam os princípios da não discriminação e da liberdade de movimento – não pode criar um incentivo fiscal cuja lógica é exatamente contrária à desses princípios. Tal gera um problema de contrariedade com o direito europeu e, também, com a Constituição portuguesa, já que a lógica da integração europeia e dos seus princípios nucleares é também uma lógica constitucional portuguesa.

E quanto a portugueses que hajam residido fora da União Europeia? É a residência em território nacional de cidadãos portugueses um valor que justifique a discriminação positiva daqueles que eventualmente venham a regressar – assim colocados em vantagem relativamente àqueles que tenham permanecido em Portugal ou que hajam regressado antes do período estabelecido?

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Das duas uma: ou o que está em causa é um nativismo incompatível com os princípios de cidadania e a lógica universalista que atravessam a Constituição portuguesa; ou, em alternativa, o que está em causa é uma admissão de princípio de que as atividades geradoras de rendimento de portugueses que hajam residido no estrangeiro e regressem têm mais valor do que idênticas atividades de portugueses que não o tenham feito, o que se revela puramente discriminatório.

Confirmando-se, assim, uma ausência de justificação material para a distinção de tratamento em causa, é forçoso concluir pela inconstitucionalidade do “Programa Regressar”.

Luís Pereira Coutinho é Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa