Sendo 2019 um ano eleitoral, o lançamento de medidas eleitoralistas não deve constituir surpresa. Ainda assim, a redução em 200 euros do limite máximo estabelecido para a propina paga nas instituições de ensino superior estatais e a promessa de eliminação gradual das propinas deve figurar sem margem para dúvidas no topo da lista da demagogia.

De facto, a eliminação anunciada das propinas constitui uma verdadeira fraude política. Em primeiro lugar porque, contrariamente ao propagandeado pelos seus defensores, se trata de uma medida marcadamente regressiva do ponto de vista social. Como muito bem salientou Mário Pinto:

Se são os pobres que, por falta de meios financeiros, não acedem ao ensino superior, não é óbvio que a solução racional seria a de aumentar as bolsas de estudo para os pobres? Calcule-se o volume que o Estado vai gastar com a gratuitidade das propinas, e conceda-se esse montante inteiramente para bolsas de estudos aos que delas necessitam.

Na mesma linha, e focalizando a sua argumentação no âmbito do quadro constitucional português, o insuspeito Jorge Miranda conclui:

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Em suma: se as condições económicas e sociais – quer dizer, as necessidades e os rendimentos do agregado familiar [citados arts. 67.º, n.º 2, alínea f), e 104.º, n.º 1] – não permitirem qualquer forma de pagamento, impor‑se‑á a gratuitidade no ensino superior; se, porém, elas permitirem o pagamento (ou uma parte do pagamento), a isenção deste não só não se apresentará fundada como poderá obstar à correção de desigualdades.”

Mas não é apenas – ainda que tal seja fundamental — a injustiça e a regressividade da medida que estão em causa. A anunciada eliminação das propinas é também uma fraude política se tivermos em consideração o contexto orçamental e de finanças públicas do país e o que têm sido as políticas de ciência e ensino superior ao longo dos últimos anos. Como bem resume José Ferreira Gomes:

Ao longo da vida deste governo diminuiu a despesa executada anualmente pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia; diminuiu a transferência para as instituições, não compensando totalmente os aumentos de encargos impostos por lei; diminuiu a despesa com Ação Social. Tudo isto aconteceu numa fase de expansão das economias europeias. Quando começam a ser visíveis os sinais de esgotamento desta fase expansionista, este mesmo Governo dá-se conta que pode aumentar a despesa com o ensino superior em mais de 30%, isentando de propinas os estudantes oriundos de agregados familiares com salários acima da mediana nacional.

O ex-ministro socialista Luís Campos e Cunha sintetizou bem o que está em causa nesta proposta quando salientou que a “estupidez das propinas zero não tem limites”. Assim sendo, o que pode explicar este anúncio?

Em primeiro lugar, importa perceber que por trás da medida há um poderoso lobby ideológico motivado pelo ódio contra todas as manifestações de ensino, educação e investigação não controlados pelo Estado. Uma parte importante da extrema-esquerda portuguesa tem uma relação puramente clientelar e extractiva com o sistema de ensino superior e com o sistema científico nacional. Para esses segmentos — que infelizmente não se limitam a BE e PCP mas têm hoje também alguma representatividade dentro do próprio PS — toda a independência no âmbito da educação é um alvo prioritário a abater para dar lugar à construção da utopia socialista.

Em segundo lugar, e para além das razões ideológicas, o desígnio de eliminar as propinas encontra também motivações pragmáticas em alguns dos agentes mais medíocres do sistema de ensino superior. Conscientes da falta de qualidade dos serviços que oferecem e da sua absoluta incapacidade para competir em condições de igualdade num contexto de liberdade e aberto à concorrência, a manutenção de qualquer propina — mesmo que cobrindo apenas uma parte minoritária dos custos reais do ensino superior estatal — é vista como uma séria ameaça.

A triste — ainda que felizmente não universal — realidade é que algumas ofertas do actual sistema são tão más que nem de graça conseguiriam atrair o desejado número de estudantes. Por isso 1000 euros — e mesmo 800 — são vistos por esses prestadores como um montante excessivo e perigoso. Esta mentalidade atinge aliás o seu expoente máximo na ideia recentemente expressa por Rui Tavares de alargar o ensino obrigatório até à… Universidade: “Em terceiro lugar, o mais ambicioso: trazer o ensino obrigatório até à universidade, com a frequência de um ciclo geral universitário (…)”

Conscientes de que oferecer os cursos de graça não será suficiente, alguns agentes do sistema sonham até com alargar a obrigatoriedade do ensino a cidadãos maiores de idade. Por outras palavras, aos 18 anos os jovens poderiam votar para escolher os seus governantes e decidir o futuro do país mas estariam ao mesmo tempo sujeitos à frequência compulsiva de um “ciclo geral universitário” para receberem a adequada doutrinação socialista.

Pode ser tentador descartar a proposta de Rui Tavares como um delírio totalitário de quem despreza radicalmente a liberdade e a autonomia individual mas tal seria um erro perigoso: Tavares exprime e leva até ao seu corolário lógico o que está na mente de uma parte não negligenciável dos defensores da  eliminação das propinas (ainda que, na maioria dos casos, tenham vergonha de assumir esse corolário publicamente).

Por tudo isto, é lamentável e francamente desanimador que o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa dê sinais de estar disponível para pactuar com esta fraude. Resta esperar que ainda se vá a tempo de arrepiar caminho no que seria uma medida demagógica, profundamente iníqua e altamente penalizadora para a qualidade e competitividade do ensino superior português.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa