A guerra é uma atividade tão antiga como o ser humano, como nela se decide a vida ou a morte e a existência do estado, é natural que se empreguem todos os meios tecnológicos disponíveis em cada período histórico. Foi assim quando se passou da Idade da Pedra para a Idade do Bronze, mais tarde para a Idade do Ferro e no fim da Idade Média para  utilização da pólvora. Mas a verdadeira tragédia viria com a Revolução Industrial. A capacidade de produção industrial de armamento levou à Batalha do Some, onde em 140 dias se produziram mais de 1 milhão de vítimas. Esta situação era impensável nos períodos históricos anteriores.  O aumento da capacidade logística originada pela produção industrial, pelo caminho de ferro e o barco a vapor, levou a um aumento exponencial do número de homens no campo de batalha e por consequência o de número de mortos. A sabotagem ou a destruição destas infraestruturas passou também a ser um campo de batalha. Desta forma passou a ganhar as guerras quem tinha mais fábricas e não quem tinha mais homens.

De há uns anos a esta parte, estamos a presenciar a revolução tenológica digital. Como seria de esperar, esta também teve um forte impacto na guerra. Para além dos meios de informação ao dispor dos militares, o mundo digital criou o seu próprio campo de batalha. Passaram a ser possíveis  operações de espionagem, ataques a infraestruturas, danos na economia, etc., através de um clic. O ataque informático a uma fábrica de enriquecimento de uranio do Irão é um excelente exemplo. Foi possível plantar um vírus no sistema de enriquecimento de uranio, que originou um aumento exagerado da velocidade das centrifugadoras, que levou à sua destruição. Isto causou a um atraso muito substancial no programa nuclear iraniano. Esta tendência ficou visível  num dos últimos filmes do 007, onde a importância dos agentes do terreno, diminuiu face aos agentes que espiam a partir de um computador na sede do MI6. Este tipo de guerra não só tem implicações diretas no campo de batalha no sentido literal do termo, mas também no campo mediático. Já que pode condicionar o que se passa nas redes sociais e nos órgãos de comunicação social. Em Portugal o General Loureiro do Santos foi pioneiro nesta problemática, por esse motivo ajudou a promover o Centro de Estudos e Investigação de Segurança e Defesa de Trás-os-Montes e Alto Douro.

Depois da segunda Guerra Mundial, a televisão revolucionou as sociedades democráticas. Como seria de esperar, também mudou a forma como a sociedade via a guerra. Confortavelmente sentados no sofá, passou a ser possível aos cidadãos verem a guerra em direto, esta situação levou à derrota americana na Guerra do Vietnam. Este fenómeno já se tinha visto na Guerra da Crimeia (1853 /1856), quando os jornais londrinos  publicaram fotografias de soldados britânicos mortos,  causando bastante indignação na opinião pública. Mas quando a população americana, em 1968, viu na televisão  ofensiva de Tete, o massacre de Mỹ Lai e em 1972 viu o bombardeamento à aldeia de Kim Phuc, ficou evidente que os EUA iriam perder a guerra não no campo de batalha,  mas espaço mediático. Esta terá sido a primeira vez na história, em que um país perdia uma guerra ganhando todas as batalhas. Isto porque as autoridades americanas não perceberam que com o advento da televisão, o espaço mediático de uma democracia  se tinha transformado também ele num campo de batalha.

O recente ataque do Hamas e a resposta israelita configura também um caso exemplar do que é a guerra mediática. O Hamas sabe que quando ataca Israel, a resposta é sempre desproporcional. Isso faz com que grande parte opinião publica das democracias se ponha do lado dos Palestinianos. Na prática isto funciona como apoio ao Irão e aos seus proxies. Em poucas horas o Hamas lança sobre Israel um ataque fulminante, causando cerca de 1400 mortos e centenas de reféns. Desse ataque há poucas imagens e as testemunhas também não viram muito, porque tiveram de se esconder. De notar que Israel não divulgou imagens dos seus cidadãos mortos. Já o ataque de Israel sobre a faixa de Gaza, tem sido amplamente divulgado com imagens terríveis de sofrimento humano.  Claro está que  a derrota de Israel na guerra do campo mediático começa a ter consequências no capo de batalha. Isto porque as opiniões públicas dos países aliados de Israel, não aceitam o nível de destruição material e humana levada a cabo na Faixa de Gaza. Tal como no tempo da Guerra do Vietnam, também agora as universidades americanas estão a ferro e fogo.

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Nos últimos anos, as redes sociais vieram dar uma outra dimensão à guerra, transformando cada cidadão num soldado. A invasão da Ucrânia por parte da Rússia, terá sido a primeira guerra acompanhada pelas redes sociais. Tal como em todas as guerras, aquilo que pensam os cidadãos é determinante para aquilo que se passa no campo de batalha. De cada vez que um de nós partilha um conteúdo favorável à Ucrânia, está a influenciar todos os seus contactos nesse sentido. Os governos mandam sistematicamente fazer sondagens sobre o que pensam os seus cidadãos à cerca deste assunto, logo o apoio militar e económico à Ucrânia, será diretamente proporcional à opinião dos cidadãos. Por muita boa vontade que o governo português tivesse em apoiar a Ucrânia, este seria muito limitado se, por exemplo, 90% dos portugueses estivessem do lado da Federação Russa.

Claro está, que este ativismo nas redes sociais, nada tem a ver com aquele comportamento que consiste em usar este meio para descarregar as frustrações ou cultivar  os ódios pessoais.

É notório o esforço russo para influenciar as redes sociais e comunicação social contra a União Europeia e o Ocidente. Não raras vezes surgem imagens produzidas por inteligência artificial, onde a União Europeia aparece como a grande responsável por todos os nossos problemas. Os recentes protestos dos agricultores são disso exemplo. Foi desta forma que os cidadãos do Reino Unido se deixaram influenciar pela propaganda russa que favorecia o Brexit, entre muitas outras ingerências russas  em eleições no Ocidente.

Para já, não está previsto que os nossos filhos tenham de ir arriscar a vida num campo de batalha. Para tal, será necessário que cada cidadão se converta num soldado digital, para que se possa manter o apoio ao esforço de guerra ucraniano. É provável que a Guerra da Ucrânia, tal como a nossa Guerra Colonial, se venha a decidir não no campo de batalha, mas por causa de uma alteração política em Moscovo. A nossa responsabilidade, é sermos soldados digitais, para que os nossos compatriotas continuem a acreditar que vale a pena despendermos algum dinheiro dos nossos impostos, para apoiar os Ucranianos. Se todos os cidadãos do Ocidente pensarem assim, a Ucrânia irá sem sombra de dúvida ganhar esta guerra.

A visita do presidente Zelensky a Lisboa foi boa para todos os intervenientes. Dado o apoio massivo da população portuguesa à causa ucraniana, certamente que os eleitores portugueses gostaram de ver o seu primeiro-ministro e o seu presidente da república ao lado daquele que muitos consideram um herói. Marcelo Rebelo de Sousa creio que de forma espontânea, tocou várias vezes em Zelensky, mostrando desta forma ligação emocional.  As visitas que o presidente ucraniano tem feito a vários países, mais não são que operações de charme para as respetivas opiniões públicas. Não fosse por isso, estes acordos podiam ser assinados à distância com uma assinatura digital.

Em 2024, o apoio americano à Ucrânia representa aproximadamente 0,2% do PIB dos EUA, ao passo que o esforço de guerra russo é de cerca de 30%. Se o apoio à Ucrânia for efetivo e sério por parte do Ocidente, o tempo correrá contra a Rússia, em poucos anos o estado russo estará falido. Mas para que isto seja verdade, o Ocidente e principalmente a Europa, tem de deixar de fazer declarações de intenções e passar a agir de forma decidida. É deplorável que a indústria militar russa consiga ter mais capacidade de  resposta que a europeia.  A capacidade industrial, tecnológica, económica e financeira da União Europeia é muitíssimo maior que a russa.

Os responsáveis políticos europeus não agem de forma mais decidida porque tem medo da impopularidade das suas decisões. É por isso que fica cada vez mais evidente que o espaço mediático e digital será absolutamente decisivo para o futuro desta e de outras guerras. Apesar dos esforços russos, a Ucrânia está a ganhar a guerra mediática, mas não podemos pensar que isto não poderá mudar. Com a situação no campo de batalha fisco bastante difícil para a Ucrânia, perder no campo de batalha mediático seria o seu fim.