Um estudo desenvolvido no já longínquo ano de 1973 pela R.H. Bruskin Associates debruçou-se sobre quais seriam os principais medos das pessoas. Embora se possa pensar que o principal medo seria a morte, o medo número 1 comprovado por este estudo, e depois reforçado por vários outros já no século XXI, é… o medo de falar em público.
Este medo está intrinsecamente ligado a temas relacionados com a preparação e a formação, e com a confiança na transmissão de uma mensagem, seja ela qual for. Por um lado, podemos referir que o poder da retórica, da voz e da comunicação transposta em propaganda para massas é um instrumento que, num passado não tão distante, nos trouxe sérios dissabores (de Salazar a Hitler). Por outro lado, este artigo foca-se na sua outra face, e na relevância da voz num sentido metafórico, e sobretudo na importância de dar a voz a segmentos da sociedade muitas das vezes negligenciados. Irei então debruçar-me sobre dois temas – a inclusão e a igualdade – e apresentar projetos e áreas inovadores, das artes ao desporto, que estão ativamente a combater esses desafios.
Uma recente reportagem da SIC, intitulada “O Todo é Maior que a Soma das Partes”, conta a história do Conservatório de Artes de Loures, um projeto exemplar de inclusão social e de desenvolvimento humano através das artes. O Conservatório é liderado pela maestrina Elisabete Fernandes que, aos 14 anos, apresentou um projeto de ensino musical à Câmara Municipal de Loures, e que aos 17 anos comunicou ao Ministério da Educação que queria abrir um Conservatório de Música que fosse acessível a todos.
A reportagem mostra que, apesar das dificuldades socioeconómicas evidentes, este projeto demonstra que a unidade está na diversidade e que é importante estar atento à diferença, reconhecê-la e valorizá-la. A falta de dinheiro para comprar instrumentos musicais para todos os alunos leva a que estes sejam partilhados, dando o exemplo de só terem uma flauta para 8 flautistas. Quando não há instrumentos para todos, alguns elementos tocam e outros são elementos de percussão humana, numa plena orquestra de expressão corporal.
A verdade é que nesta orquestra comunitária, em que tudo é feito à base do voluntariado de alunos, pais e professores, os resultados saltam à vista. Os alunos verbalizam a importância da música na expressão das suas emoções e pensamentos, num ganho de confiança que os permite hoje sonhar, acreditar e lutar por um futuro melhor. E os valores que o Conservatório de Artes de Loures confere aos seus alunos, das crianças aos jovens, está intrinsecamente ligado ao seu funcionamento enquanto orquestra, e com o facto de poderem contar com a força do todo, e não somente das partes que o constituem.
Para além disso, os alunos do Conservatório apresentam uma taxa de 100% de sucesso em admissões ao ensino superior, contrariando um dos números mais assustadores em Portugal, o da taxa de abandono escolar, que segundo a pordata, se situou nos 11,8% em 2018, sendo o 22º país da União Europeia neste indicador, sendo o 28º e último, o nosso país vizinho, Espanha, com 18,9%. É importante dar voz a este projeto, e não o deixar morrer por falta de financiamento, fazendo um apelo para que os leitores assinem a petição pública para ajudar a salvar o mesmo.
A repórter da SIC traduz a dada altura que “o caminho desde o Catujal, em Loures, até ao Palácio de Belém demorou 11 anos a fazer-se”, devido ao facto de o Conservatório D´Artes de Loures ter dado um concerto em Outubro de 2019 no Palácio de Belém. Não será de estranhar então que Marcelo Rebelo de Sousa tenha destacado a importância da batalha contra a exclusão social como a grande prioridade de 2020 (a par da saúde), e na aposta na educação e no conhecimento, que deve ser cada mais diferenciado, customizado e experiencial, como um caminho para combater a voz da exclusão.
Continuando nas artes e passando da música ao teatro, permitam-me transmitir-vos uma história pessoal que se tornou numa inspiração para um projeto que criei mais tarde.
Durante o pico da crise de migrantes na Europa em 2015, cerca de 1 milhão de refugiados candidataram-se a asilo na Alemanha. Na altura eu vivia em Berlim, estava a dar os primeiros passos no teatro de improviso, e encontrei um projeto de teatro que pretendia sensibilizar a população para os desafios que os refugiados encontravam quando chegavam à capital alemã. Tivemos o apoio de associações de integração de refugiados que nos trouxeram refugiados do Iraque, da Síria e do Afeganistão, e encenámos uma peça de teatro com o objetivo de angariar fundos para as associações parceiras. A peça contava as histórias de refugiados, crianças, jovens, e idosos, traduzindo as autênticas travessias do deserto da viagem até à Alemanha, bem como os desafios da chegada e integração em Berlim.
Fazendo fast forward para 2019, co-fundei um projeto chamado The Human Story (THS) que se foca no empowerment e desenvolvimento de competências humanas através da inovação e das artes, partindo do princípio da necessidade das pessoas e organizações tomarem consciência, agirem e apostarem no desenvolvimento dos seus skills naturais. Da importância de entenderem quais são as suas típicas respostas e emoções naturais, bem como os seus bloqueios e resistências mentais e poderem, de forma experiencial, imersiva e interativa, trabalhar mecanismos que propiciem mudanças positivas ao nível dos comportamentos, seja na comunicação ou colaboração com outros, ou na confiança de falar em público já acima referida. Contamos com o teatro de improviso no centro da nossa metodologia, e recorremos a técnicas, experts e metodologias complementares, do mundo das artes e do desporto.
Partindo da crença de que também o desporto tem muito a ensinar-nos no que toca à construção de uma voz de igualdade e inclusão, gostaria de referir o projeto Judo Total liderado pelo Mestre Fernando Seabra. O projeto Judo Total explora a importância da aplicação dos princípios do judo no dia-a-dia, e a possibilidade de todos, sem excepção, o poderem praticar.
Segundo o seu fundador Jigoro Kano, o judo está assente em 3 princípios fundamentais: 1) o princípio da máxima eficiência com o mínimo de esforço do corpo e do espírito; 2) o princípio da prosperidade e benefícios mútuos através da colaboração e solidariedade; e 3) o princípio da suavidade, i.e. de cedência, não resistência e aceitação. É dessa aceitação e da constatação de que somos todos iguais e ao mesmo tempo diferentes, de que o clube Judo Total nasceu, promovendo a abertura a todo o tipo de judocas de poderem praticar judo, não tenham eles qualquer tipo de deficiência, ou sejam eles cegos, surdos ou tenham alguma forma de outra deficiência intelectual ou física.
De infantis a veteranos, o mote do Judo Total é “adapta-se a ti”, até porque Judo é feito a dois, e com pequenas adaptações a diferentes condições, podemos potenciar a inclusão e o facto de ser um desporto de todos, para todos.
Falando de dar voz ao desporto, é adequado dar voz aos temas que realmente regem a atividade desportiva, fora de debates extensamente gastos e clubísticos, e que afastem esse circo mediático que assistimos todos os dias nos programas televisivos desportivos.
Como tal, é importante então apostar nos eixos relevantes para a vida dos atletas, tendo em conta a competição, i.e. o treino, avaliação, performance, prevenção e medicina desportiva, bem como temas extra competição, tais como o suporte à carreira e pós-carreira, o financiamento desportivo e a integridade das competições, das federações e dos clubes.
Para além disso, é essencial ainda dar mais e mais voz a histórias de atletas, treinadores, dirigentes e especialistas desportivos de várias modalidades, uma vez que o desporto é constituído por uma panóplia de modalidades. Foi da necessidade de comunicar estes eixos, endereçando um povo português que sente e vibra com o desporto como ninguém, que decidi lançar já em 2020 e juntamente com o Ricardo Andorinho, um dos melhores atletas de sempre de Andebol português, o podcast The Voice of Sports, para dar voz a estes temas, já com o primeiro episódio no ar.
Ao longo desta narrativa há um denominador comum, o da necessidade de preparar melhores seres humanos para o futuro e de dar voz a pessoas e projetos que façam a diferença na sociedade. Há que destacar que em 2020, e pela primeira vez, a idade média da população mundial vai ultrapassar os 30 anos. De acordo com um relatório recente das Nações Unidas, há cada vez menos jovens e mais idosos, o que põe em causa a sustentabilidade das populações. Isto levanta-nos dois desafios, o combate à exclusão social dos mais velhos, e a necessidade de proporcionar uma maior igualdade de oportunidades para os mais jovens.
Sobre este último tema, é um facto que temos jovens cada vez mais capacitados e a desenvolver projetos extraordinários em várias áreas do saber, desde as já referenciadas artes e desporto, bem como na ciência, saúde, arquitectura, tecnologia ou educação. Foi com o objetivo de dar voz a estes jovens que os Global Shapers de Lisboa, comunidade do Fórum Económico Mundial, que lidero com orgulho em Portugal, e que tem como missão promover o empowerment da ação e da voz dos jovens, irá lançar no início de 2020 o projecto 100 Oportunidades.
Tal como explicado no último artigo de 2019 pelo Global Shaper João Marecos, o projecto consiste numa lista de 100 nomes em 20 categorias diversas como as referidas acima, lançando à comunicação social e demais organizadores de debates públicos o desafio de promovermos a voz de jovens com provas dadas em várias áreas do saber, dando-lhes a oportunidade de disseminar e transmitir o seu conhecimento ao público em geral.
Num mundo onde tudo é partilhado e vivido à velocidade da luz, que este ano de 2020 seja, de facto, o momento de passar da voz individual à voz coletiva, com o nascimento e exponenciação de projetos que promovam a inclusão e a igualdade, tendo em vista o combate à exclusão social dos mais velhos e a igualdade de oportunidades para os mais jovens, através das artes, do desporto ou da comunicação, entre outros. É hora de dar voz à sua voz.
Diogo Almeida Alves é Partner na The Human Story, uma organização que se foca no empowerment e desenvolvimento de competências através da inovação e artes, tendo o teatro de improviso no centro da sua metodologia. A voz e a força da comunicação são também uma paixão, materializada através do projecto The Voice Studio que atua como um mentor de talentos nas áreas da cultura, artes e comunicação em Portugal. É co-autor do livro “Binómio Tecnologia e Sustentabilidade” e tem presença no Board de duas ONGs na área da sustentabilidade, a Associação Federal Alemã para a Sustentabilidade e a Loving the Planet. Viveu em 4 continentes e 9 países, e colabora também como consultor sénior com grandes empresas nacionais e multinacionais, e também com startups e investidores entre a Europa, Estados Unidos e Ásia. É o atual Curador dos Global Shapers do Fórum Económico Mundial em Lisboa.
Nota Global Shapers – O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, irão partilhar com os leitores a visão para o futuro nacional e global, com base na sua experiência pessoal e profissional. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.