Muitas vezes pergunto-me o que é necessário acontecer para a inclusão socioprofissional de pessoas com deficiência passar a ser um tema caro à agenda política, social e mediática. Durante os 27 debates dos candidatos com assento parlamentar, confesso que estive expectante se, por algum momento, este tema iria ser uma bandeira ou alvo de medidas concretas. Mas não. Em horas a fio de debates e comentários, nada se ventilou sobre uma condição que afeta, segundo os Censos de 2021, cerca de 11% da população residente em Portugal que tem, pelo menos, uma incapacidade. Mais de 1 milhão de pessoas, não parece assim tão “minoria”. Para não falar de outro tipo de dificuldades cognitivas, mais subliminares, que não estão certamente neste Censos, mas que constituem enormes barreiras para que esta franja da população tenha um trabalho, uma autonomia e, acima de tudo, um propósito na sua vida.
Na era da inclusão, que acredito estarmos a viver, parece que os desafios da população com deficiência e dificuldades intelectuais continuam a padecer de alguma dormência por parte dos decisores, que entregaram esta responsabilidade às empresas, através da lei das quotas de emprego para pessoas nesta condição. Facto é que, para além de dados do INE de 2022 que apontam que apenas 15,4% desta população era economicamente ativa, nada mais sabemos do real estado da inclusão desta população no mercado de trabalho, estimando-se “apenas” que a taxa de desemprego é seis vezes superior à faixa de desempregados na Europa e Portugal.
Mas sejamos justos: apesar de não ter sido alvo dos holofotes mediáticos, certo é que os programas da (quase) maioria dos partidos mencionam medidas para esta população. A parte negativa é que não são propriamente medidas: são planos de intenção. E quando falamos de “intenção”, sabemos bem o que a sabedoria popular nos diz, bem como o senso comum: está longe de se concretizar. Posto isto, o que é preciso acontecer para um acordar desta dormência? Um caso dramático que faz um feito dominó mediático, pressionando decisores? Portugal ainda tem uma gigante falta de cultura e olhar sobre esta população.  Fala-se deste tema pontualmente quando casos dramáticos de pessoas com deficiência vem à praça publica, através de histórias contadas em programas de televisão.
Esta semana parece que alguns alarmes soaram, não na agenda mediática, não nos partidos, mas nas plataformas sociais sobre o vazio (pelo menos vocal) em temporada eleitoral sobre estes cidadãos que fazem parte do nosso país, das nossas famílias, do nosso ciclo de amigos ou de conhecidos e que fazem permanente frente às suas dificuldades para terem uma vida. Esta voz começou na sociedade civil, de cidadãos, de nós. Sem dúvida, é uma missão que temos, nomeadamente do Semear que representa e trabalha ativamente, há mais de uma década, para assegurar a plena inclusão de jovens e adultos com dificuldade intelectual e do desenvolvimento, através da sua formação e integração socioprofissional.
Portugal tem uma problemática falta de cultura política e legislativa para as pessoas com deficiência. Embora sintamos uma mudança, certo é que há ainda muito a fazer para que as pessoas com deficiência representem um grande e importante contributo para o desenvolvimento económico do país, nomeadamente quando inúmeros setores enfrentam a escassez de talentos. Temos a convicção e sabemos das suas imensas potencialidades e, por isso, concebemos um programa pioneiro e individualizado, assente no desenvolvimento de competências pessoais, sociais e técnicas que lhes garanta segurança, desde um simples apanhar de autocarro ao assegurar de um emprego, acompanhando o seu percurso, bem como apoiando a empresa para uma inclusão bem-sucedida.
Sim, porque não é uma tarefa fácil: Os desafios do contexto laboral nacional e as consequentes barreiras e lacunas na integração profissional de pessoas com deficiência requer muito tempo e, acima de tudo, cooperação. O modelo do SEMEAR conta com uma duração mínima de 2 a 3 anos, através de formações teórico-práticas, criação de uma Figura-Sombra, bem como um método de aproximação gradual ao contexto real de trabalho, beneficiando a confiança do formando e preparação da empresa que o acolhe.
São aspetos fundamentais para uma inclusão bem-sucedida e, pelas medidas que lemos nas propostas dos partidos, acreditamos que o Estado deve ouvir e apoiar-se junto das instituições que trabalham, todos os dias, com esta população e as suas famílias. No caso do Semear, o modelo que projetámos na Academia Semear em 2021 já assegurou a inclusão de 63 pessoas no mercado de trabalho numa rede de 35 empresas parceiras, registando uma taxa de retenção na ordem dos 90%. E, todos os anos, temos dezenas de jovens a receber formação e capacitação rumo ao mercado de trabalho, precisando de empresas publicas e privadas e organizações para os empregar, contribuindo para uma sociedade mais inclusiva e justa.
A inclusão socioprofissional não é um item de um word, não é uma apresentação em powerpoint, nem uma célula de Excell: é um trabalho que requer equipas multidisciplinares, mobilização das empresas e necessita de um pilar efetivo (e com conhecimento) de quem Governa o país. Alem disso a inclusão socioprofissional destes cidadãos representa a redução de custos para o Estado com atribuição de subsídios associadas à doença, pobreza e exclusão social . Espero que a próxima legislatura seja efetivamente ativa e oiça quem está no terreno, tudo para replicar e democratizar o acesso ao trabalho desta população na sociedade portuguesa.
Está na hora de atuar num sentido mais lato junto das pessoas com deficiência e dificuldades intelectuais. Sem detrimento destas medidas, não é só de acessibilidade, proteção e benefícios, que esta população necessita: precisa de ter um lugar e papel na sociedade e na economia. Precisa de uma participação e não apenas de se “manter ocupada”. Para a próxima legislatura, cá estaremos para apoiar o Estado nesta missão e criação de cultura. Até lá, vamos continuar a Semear Inclusão.

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