Em plena pandemia covid-19 está em debate em França na Assembleia Nacional a revisão lei da bioética que introduz novas emendas da manipulação genética do ser humano até à manipulação de homem e animais, desprezando todos os princípios de ética da vida, num momento em que queremos salvar a economia para proteger os nossos mais frágeis.
O projecto de lei prevê ainda que a congelação de ovócitos e a a procriação medicamente assistida sejam financiados pela Segurança Social sem razão médica. Enquanto estamos a tentar sobreviver a uma crise pandémica e a humanidade está a tentar proteger-se da natureza este projecto de lei prevê a organização da fabricação artificial.
Se à primeira vista nos pode parecer que as Ideias ou a Filosofia são inócuas ou inconsequentes, enganamo-nos, porque é exactamente o fruto do trabalho intelectual de alguns que outros aproveitam, dele retirando alguma essência, que transformam, suscitando grandes mudanças e conduzindo a profundas revoluções, algumas das quais ainda reflectem os seus efeitos na sociedade actual.
Para compreender os acontecimentos duma época temos de conhecer as teorias que lhes estiveram subjacentes, tal como é impensável ter uma vaga ideia dos princípios que inspiraram a Revolução Francesa, sem conhecer as obras dos pensadores iluministas que a antecederam, Montesquieu, Rousseau, Voltaire, Diderot e Adam Smith, entre outros.
A 14 de Julho de 1789, os parisienses tomaram a prisão da Bastilha, desencadeando profundas mudanças no governo francês e no mundo ocidental. Pela Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, foi reivindicada a condição de cidadãos aos franceses, jamais súbditos, mas livres. Em nome da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, muitas cabeças rolaram, até ao final do século XVIII, na Europa.
As ideias iluministas exaltaram a razão autónoma ao nível de uma deusa, uma espécie de militante feminista que se tinha libertado de Deus e dos seus imperativos éticos e morais. Os seus precursores sonhavam com uma liberdade desmedida, ausente de consequências, provocantemente perigosa e resvalante, mas essencial para perseguir a Igreja Católica, considerada um obstáculo à inteligibilidade do destino do Homem.
Destruídos os alicerces cristãos do edifício social, nada impediria a aplicação do princípio maquiavélico “não poupar meios para atingir os fins”. Deixaria de haver limites ao mal, passaria a ser louvável ou permissível qualquer atrocidade, na certeza de que seria por uma intenção louvável.
O amor ao saber ou Filosofia, foi cedendo o lugar a teorias de alguns pensadores que dominaram os séculos XVIII, XIX e XX, impregnadas de um ateísmo militante, com laivos de marxismo, existencialismo e nihilismo.
As Ideias dirigem o mundo, ainda que o mundo o ignore. Não é a Ideia em si, abstracta, produzida no espírito de Homens com o gosto pelo pensar, com o prazer de saber e a paixão de alcançar a Verdade, mas o aproveitamento que de algumas se faz, em contextos políticos, culturais, sociais e ideológicos.
As muitas crises que nos vão assolando são consequência destas absurdas fugas de sentido da vida. As distorções perpetuadas em alguns países de cariz laico, ou mesmo anticlerical, são fruto de gerações de filósofos que não só mataram Deus, como o querem afastado do Mundo e dos Homens, sabendo que o ser humano sem a referência ao Criador coisifica-se, aliena-se e torna-se fácil de ser manipulado.
A perda do transcendente provoca o desmoronamento dos valores morais. Será que a liberdade, a igualdade e a fraternidade encontram a mesma dimensão num horizonte onde prevalece o nihilismo, em que o homem é a medida de todas as coisas e ao mesmo tempo um desenraizado individualista, egoísta e consumista?
Os direitos do homem num mundo ausente de referências tornam-se uma ideologia estranha e perigosa, onde o absurdo impera e o sentido de vida é vago, inconsistente e carente de esperança. Sem perspectiva de vida eterna, a morte limita a nossa existência, encerra-nos num tempo fechado onde nada existe fora dele.
Num antropocentrismo exagerado e exacerbado, o homem é tudo e nada ao mesmo tempo. Anulando o Criador, aniquila a criatura, redu-la ao ínfimo duma consciência dolorosa cercada numa solidão sem luz, sem dimensão e sem hipótese de se libertar da amarra existencial.
O humanismo ateu levou a sociedade a colocar a esperança em si própria, o que rapidamente resvalou para um relativismo individualista e auto destruidor da sua essência, muito fluido, muito volátil.
O Homem é um sujeito de vida espiritual, embora situado na matéria, transcende-a e expande-se em busca da completude à sua finitude mortal, de algo mais, que o complete, aperfeiçoe e lhe proporcione a superação do Ser.
Negar-lhe esta inerente qualidade é coartar-lhe a concretização da sublimidade existencial para a qual foi criado. É reduzi-lo a “algo” sem relevo, amorfo e inumano.
Submergido num vazio axiológico, com enfraquecimento da capacidade crítica, facilmente é conduzível à manipulação, à alienação, à indiferença e ao descomprometimento político-social face ao isolamento, ao egoísmo e à defesa do património comum.
Se os Valores são a forma mais humana de se ser Homem, conferindo-lhe um dom e uma capacidade de saber e querer crescer, aperfeiçoar-se e ser algo mais, a sua ausência conduz, inevitavelmente, à degradação e, naturalmente, ao campo das maiores perversidades existenciais.