Este ano foi um ano particularmente frutuoso para o início do turismo espacial, com três iniciativas separadas. A primeira ocorreu no dia 11 de Julho de 2021, através da nave SpaceShipTwo USS, da Virgin Galactic, levando a bordo o mentor do projeto Richard Branson e três dos seus colaboradores até uma altitude de 85 kms. A segunda foi da Blue Origin, no dia 20 de Julho, e levou a bordo Jeff Bezos, fundador da Amazon, o seu irmão, um miúdo holandês de 18 anos (o mais jovem de sempre a ir para o espaço) e Wally Funk, uma pioneira da aviação americana com 82 anos de idade (a mais velha de sempre a ir para o espaço), a uma altitude de 101 kms acima da linha Kármán definida como o limiar do espaço a 100 km. A terceira foi através da Space X, empresa criada por Elon Musk, que vendeu ao bilionário Jared Isaacman um voo de quatro passageiros, sendo o primeiro voo orbital sem nenhum astronauta profissional. Foi lançado no dia 16 de Setembro e foi a única das três iniciativas a ter entrado em órbita a uma altitude de 575 km, bem acima da altitude da Estação Espacial Internacional. Este último voo até foi motivo de uma série na Netflix que acompanhei com muito entusiasmo já que foi sempre o meu sonho ir viajar para o espaço.
No entanto, uma das minhas filhas manifestou o seu choque pelo desperdício de dinheiro e pela poluição vergonhosa criada por estes luxos de pessoas ricas enquanto há problemas climáticos graves e problemas de pobreza no mundo. Sempre achei este tipo de afirmações mais próprio da moda da altura do que fruto de um conhecimento profundo sobre o assunto. Decidi então expor de forma clara este tema para colocar os pontos nos ii.
Emissões de CO2
Neste site, encontrei uma explicação muito rigorosa sobre as emissões criadas pelos foguetões, comparando-as com a aviação. Em 2018, todos os voos de aeronaves contribuíram com cerca de 918 milhões de toneladas de CO2 enquanto que os foguetões emitiram cerca de 22 780 toneladas de CO2, ou seja 0,0025% de toda a indústria aérea. É preciso notar que esta última representa somente 2,4% de todas as emissões geradas pelo mundo inteiro; enquanto que os lançamentos espaciais representam 0,000059%, um valor completamente irrisório para as alterações climáticas. Mesmo que este valor se multiplicasse 1000 vezes, por causa de um boom do turismo espacial, tal não representaria mais do que 0,06% de todas as emissões mundiais. Como é claro, não existe risco nenhum de o turismo espacial ser prejudicial para este objetivo tão precioso de combater as alterações climáticas.
Outro ponto da minha filha era o facto de ser imoral a quantidade de CO2 que um turista gasta num voo. Um passageiro de avião num voo de ida e volta de 5800 km gasta 1,75 toneladas de CO2, enquanto que o lançamento de um passageiro no Falcon gasta cerca de 105 toneladas. Podemos de fato questionar a moralidade de tanto CO2 emitida por um luxo desnecessário. Mas como os turistas espaciais não vão todos os anos para o espaço, temos que ver quanto é que isso representa por ano na sua vida. Numa perspetiva muito otimista de eles voarem de 20 em 20 anos para o espaço, esse valor baixa para 5,25 toneladas por ano. Isso significa que basta uma pessoa fazer três voos de longo curso por ano para igualar esta quantidade. E sabemos que há várias pessoas a fazerem-no. E se notarmos que quem anda de carro sozinho, fazendo uns 15 000 kms por ano emite cerca de 2,55 toneladas por ano, tal representa metade da emissão de um voo para o espaço de 20 em 20 anos.
Mas se olharmos para quanto um português emite em CO2 por ano, temos 3,96 toneladas. Em Moçambique, o valor é de 0,2 toneladas, ou seja cerca de 20 vezes menor. Para não extremarmos a comparação com um país com condições extremamente pobres, podemos comparar-nos à Costa Rica que é um país ainda pobre mas que é o 17º país mais feliz do mundo, à frente da Bélgica, Reino Unido, França, Espanha, Itália e Portugal. Eles emitem somente 0,89 toneladas por ano, ou seja, quatro vezes menos que nós. E são mais felizes! O que nós emitimos em relação a eles é, portanto, tão ou mais imoral do que o que os turistas espaciais. Se os quisermos criticar, temos então que também baixar os nossos padrões de poluição, até porque nós, comuns mortais, contribuímos mais em termos absolutos do que os muito poucos turistas espaciais, como já vimos anteriormente.
Desperdício de dinheiro
Existem vários tipos de viagens espaciais com custos variados mas podemos apontar para o turismo espacial mais barato porque será sem dúvida o mais abundante. A Virgin Galactic deverá provavelmente apresentar um valor de 450 000 dólares por voo. Mais uma vez, devemos considerar que esse valor será gasto uma vez todos os 20 anos, representando portanto 20 000 euros por ano. Um português gasta em turismo cerca de 564 euros por ano. Ou seja, um turista espacial gasta 35 vezes mais do que a média de um português. Parece de fato imoral. No entanto, em Moçambique, o gasto por ano em turismo é 7,7 euros por ano. Ou seja, nós gastamos cerca de 73 vezes mais que um moçambicano. E podemos afirmar que o turismo é algo supérfluo e desnecessário. Será que temos moral para criticar os turistas espaciais nesses enormes gastos quando nós também o fazemos de forma brutal em relação a países bem mais pobres do que nós? Não me parece.
Acresce que, na maior parte dos casos, esses turistas espaciais são muito mais generosos do que nós. O europeu em geral gasta 1 euro por ano em ajuda humanitária, o que representa 0,005% de uma riqueza de 20 000 euros. Por exemplo, o milionário Mark Shuttleworth, que foi o primeiro sul africano a ir para o espaço por 20 milhões de dólares, já doou mais de metade da sua fortuna para ajuda humanitária, tendo criado um grande projeto de recuperação económica da ilha do Príncipe, sendo conhecido como “o homem da Lua”. Temos mesmo moral para criticar essas pessoas?
Os inovadores
Finalmente, o aspeto mais importante de todos. Como é que a humanidade se pode tornar melhor com o turismo espacial? A história do desenvolvimento de novos produtos e serviços começou sempre através de consumidores abastados e ricos que viabilizaram o início de um novo mercado. Lembro-me, quando eu era jovem, que os executivos ricos com os primeiros telemóveis nos carros eram gozados por usar o que era denominado de tijolo como uma ferramenta completamente supérflua e ostensiva. Foi graças a esses ridículos e vaidosos executivos que a indústria de telemóveis se desenvolveu. Em menos de dez anos, era rara a pessoa que não tinha este objeto supérfluo e desnecessário.
O Elon Musk é criticado por gastar a sua fortuna a criar foguetões espaciais quando há tanta pobreza no mundo. No entanto, com a sua visão de tornar o acesso ao espaço mais barato, ele está a tornar possível uma nova indústria espacial, denominada de “newspace”, que lança satélites pequenos e baratos em constelações. Um novo lançador, que está quase pronto para seu lançamento, o Starship, vai permitir baixar ainda mais os custos e possibilitar que mais pessoas possam ir para o espaço. Isso fará com que esta nova indústria “newspace” possa trazer à luz projetos que não seriam possíveis antes. Por exemplo, várias empresas em Portugal estão a preparar-se para desenvolver uma constelação de pequenos satélites que irão monitorizar as algas nocivas no Atlântico e assim prevenir desperdício de pescado na aquacultura, essencial para uma melhor sustentabilidade dos nossos mares. Estes satélites poderão também melhorar a gestão marítima de navios e assim melhorar a planificação das rotas e poupar uso de combustível, contribuindo para uma redução das emissões de CO2. E poderia agora trazer uma longa lista dos contributos dos satélites da observação da Terra para lutar contra as alterações climáticas.
Por isso, eu elogio e admiro os milionários que “desperdiçam” dinheiro num turismo espacial “fútil”. Elogio porque é muito melhor despender esse dinheiro em indústrias altamente avançadas que possam contribuir para melhorar a situação da humanidade do que em comprar um clube de futebol ou uma casa de sonho numa ilha deserta. Elogio porque são graças a eles que um dia poderemos ter um preço mais acessível para ir para o espaço. Sim, porque temos todos direito em despender o nosso dinheiro em futebol, teatro, cinema, telemóveis, carros, viagens, jogos e tantos outros luxos que temos. E elogio porque não quero criticar os ricos e ser hipócrita olhando para o lado sobre a minha própria riqueza comparada com a da maior parte da população mundial, que é bem mais pobre e emite muito menos CO2 do que a maior parte de nós portugueses e europeus.