A Coluna Infame fez vinte anos. O blogue criado pelo Pedro Mexia, o Pedro Lomba e o João Pereira Coutinho teve o seu primeiro texto publicado no dia 15 de Outubro de 2002. Na altura a Internet parecia um lugar de experiências para testar liberdades, sobretudo as que ofereciam espaço e registos que na imprensa estavam vedados. E, se é verdade que o Mexia, o Lomba e o Coutinho não eram propriamente inexperientes na página impressa tradicional, também é certo que o que eles fizeram naquele ecrã do blogspot ainda não tinha acontecido da mesma maneira noutro lugar.
A primeira publicação merece ser citada na íntegra. “«A Coluna Infame» é o novo blog (web-log) português de artes, literatura, política e ideias. Para conservadores, liberais e independentes, mas não só. Mande-nos sugestões, comentários, links para artigos e sites. Não deixe evidentemente de visitar o nosso inspirador, o grande Andrew Sullivan, em www.andrewsullivan.com. Este blog, mantido por João Pereira Coutinho, Pedro Lomba e Pedro Mexia, é independente de partidos, igrejas, grupos económicos ou lóbis de qualquer género. Nem sequer estamos sempre de acordo uns com os outros. Somos homens livres, que maçada. «A Coluna Infame» ficará uns dias em fase meramente experimental, dado o facto de um dos seus autores estar em Oxford, a ver a civilização, o outro no Tribunal da Boa-Hora, a defender oficiosamente ladrões de auto-rádios, e o terceiro pelos cafés do Saldanha, entre pilhas literárias e musas condescendentes e caprichosas. Mas em breve o trio estará reunido. Num computador perto de si.”
A partir daí, tudo parecia possível. Eu, que só apanhei o comboio num apeadeiro mais à frente, quando já em 2003 um artigo no Diário de Notícias misturava a Coluna Infame e o Eduardo Prado Coelho (meu professor na Faculdade), fiz questão de acompanhar. Na época era um recém-casado sem internet em casa (lembram-se da ousadia que era um matrimónio sem rede?) e a cada visita a casa dos meus pais imprimia os textos do blogue. Regressava ao meu jovem lar e absorvia o mais ínfimo detalhe. De um modo tal que criei a minha própria versão da Coluna Infame, a minha Voz do Deserto. A Coluna não chegou a durar um ano; a Voz do Deserto ainda continua mas já muito distante da rotina original que os blogues nos deram—terão sido eles uma espécie de era dourada da Internet?
Há dez anos escrevi na Voz do Deserto um texto em que perguntava: “O que se passou com a capa do Atual do Expresso? Com a do Ípsilon? Com a do suplemento do DN? Com a do I, que até arrisca mais? A da Visão, a da Sábado, a do Jornal de Letras? O mesmo com a tv e com a rádio — onde estão as cabeças de quem trata da nossa imprensa escrita e audiovisual? Fez dez anos que a Coluna Infame começou e, pelo que sei, o máximo que a data mereceu foram umas notas do próprio Pedro Mexia na sua coluna semanal do Expresso. Dizem que o País está em crise e tenho a certeza que o esquecimento do blogue do João Pereira Coutinho, do Pedro Lomba e do Pedro Mexia apenas a confirma no domínio moral.” Mais outros dez anos passaram e nada.
O meu escândalo continua. A Coluna Infame foi do melhor que aconteceu a Portugal nas últimas décadas. Tenho sido um disco riscado a cantar este refrão. Tive a oportunidade há uns anos de conversar isto com o Pedro Mexia e o João Pereira Coutinho num programa de rádio (e depois novamente com o Mexia no podcast “Odeio Artistas”) e eles sugeriram que a Coluna tinha sido para mim o que o Independente tinha sido para eles. É provável. A questão é que, por conta de ser um jornal, o Independente influenciou às claras onde a Coluna influenciou às escuras. Continuo convicto de que o blogue Infame contribuiu para a existência de muita coisa que não tem ideia dele. A mim, a Coluna inspirou-me sobretudo um exemplo de independência (até porque é na independência que geralmente trinco para ver se a liberdade é a sério). Nesse sentido, insistir na importância da Coluna é uma espécie de consciência social da minha parte (e eu que na maior parte das vezes duvido de uma tarefa assim tão nobre).
O Pedro Lomba merece um parágrafo à parte. Pelo que fui entendendo nos últimos anos, virou mito urbano em lugares vários da capital como a Faculdade de Direito, onde ensina jovenzinhos que teorizam sobre o seu recato, material de especulação farta após o seu envolvimento no governo de Passos Coelho. Acontece que fomos colegas na escola, eu e o Pedro. O Lomba foi para mim amigo e influência, igual e herói — era um miúdo difícil de catalogar porque era bom na aula e bom na bola. Tenho saudades dele e o safado eremitou…
O tempo passa, claro. Não podemos viver obcecados com particularidades pretéritas, tenham elas sido mais ou menos transformadoras. Mas isto não é fado, é futuro mesmo: a minha causa é saber que the kids are alright. Ao preparar uma celebração desajeitada para os vinte anos da Coluna Infame (que, quando este texto for publicado, terá acontecido apenas há horas) encontrei um facto duplo curioso: os que leram a Coluna recordam-na com saudade mas sem grande genica para festas; por outro lado, conheci miúdos nos vinte e poucos anos que ainda hoje a lêem, ávidos e socialmente trapalhões quando, por acaso, se cruzam com um dos três autores na rua e fazem questão de falar com eles. Nós, os que a vivemos, deveríamos evitar lutos precoces: Coluna’s not dead. A maçada de ser livres ainda merece o interesse de muitos que chegaram há pouco.