A natureza não nos fez mortais por acaso. Vendo como espécie, morrer é bom. A renovação dos espécimes leva à otimização genética da espécie enquanto um todo e isso faz-nos mais adequados ao mundo em mutação que nos rodeia. Neste aspeto, e tendo em conta a seleção natural, se nalgum passo da evolução nós fomos imortais, essa versão foi rapidamente eliminada do processo evolutivo por uma refrescante e poderosa versão mortal.

Se pensarmos em empresas, vemos que também elas precisam de ser mortais para que a economia como um todo se torne melhor. As empresas que não inovam e não se renovam morrem, para serem substituídas por refrescantes empresas renovadas e inovadoras.

Se repararmos nestes dois exemplos, são dois exemplos de sistemas com inflação, em que as suas “células” se multiplicam (“sede fecundos e multiplicai-vos”, ouviu Noé…). Sistemas com estas características são otimizados pela morte dos velhos e nascimento dos novos. Claro que os velhos têm de viver o suficiente para garantir que são substituídos pelos novos, mas a carga produtiva do sistema (vamos chamar assim) é favorecida pela renovação das “células”. De forma simples, se temos um contexto sempre a mudar, é a renovação que nos garante que a espécie vista como um todo se adapta melhor a esse contexto.

Então, deixem-me atirar-lhes com uns números de forma brutal. 125 mil pessoas morrem por ano em Portugal (“células velhas”), 80 mil novas “células” são criadas e cerca de 30 mil, na maioria “células” novas, emigram de forma permanente. Um défice anual de 75 mil pessoas, que a nossa mentalidade de “célula” velha vai considerar um problema de segurança social ou outra minudência dessas qualquer. Na verdade, é muito pior que isso. Estes novos emigrantes são as “células” novas que precisávamos, mas que os outros europeus também precisam. Aquela que seria a renovação do nosso corpo nacional está a ser sugada pelas outras economias que lidam com problemas semelhantes, deixando-nos com aquelas “células” que estão satisfeitas com o contexto atual ou que não desejam entrar numa sociedade mais evoluída economicamente.

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Claro que as “células” que nos faltam vão sendo substituídas por outras “células” vindas de outros corpos que ainda estão piores que o nosso, providenciando uma inquestionável, mas ligeira, renovação. Ligeira, porque estas “células” só por cá param porque o contexto delas era muito pior que o nosso. E os filhos destas pessoas, que felizmente vêm para cá e passam a ser “nós”, vão ser sujeitos ao mesmo processo que os nossos. Na verdade, a única coisa que acontece é manter o número de “células” velhas, porque as novas que poderíamos importar vamos tratá-las da mesma forma que as que produzimos e terão o mesmo destino.

Portugal é um país a morrer. E estamos há um par de semanas a ver os sintomas disso mesmo no nosso subecossistema político que é, cada vez mais, feito de velhos para velhos. Onde a óbvia, e para lá de anedótica, degradação de princípios se faz sentir como o esclerosamento celular de uma sociedade já não produz alternativas de jeito porque deixou de ter “células” novas. Aquelas cuja capacidade intelectual os faz progredir através de educação com valor em qualquer geografia e com ambição de vencer num mercado global; essas não ficam por cá satisfeitas por serem “a chefe do meu gabinete” de uma qualquer forma cancerígena de político, como é lógico que assim seja.

Como escreveu um dia aquele que é, aparentemente, a única forma de variedade política existente – um ex-presidente septuagenário – “a má moeda expulsa a boa moeda”. Mas cheira-me que nunca lhe passou pela cabeça escrever que “a moeda velha expulsa a moeda nova”, porque essa é a forma inversa de funcionamento de uma sociedade que queira (sobre)viver. O que vemos é um bando de velhos agarrados à causa pública de gastar fundos europeus sem entenderem o pueril princípio de que nada se produz sem produtores; que com este défice populacional não é possível executar um plano que exigiria um superavit populacional de 125 mil pessoas, tendo um défice de 75 mil.

Em condições normais da vida social, as “células” novas fariam a renovação das ideias, ou pela participação ativa, ou pelo voto, e as “células” esclerosadas seriam eliminadas do sistema. Lemos as opiniões publicadas a clamar pelo regular funcionamento das instituições sem sucesso porque é o próprio regular funcionamento da sociedade que colapsou. Quem sabe se de forma irreversível. A imposição de uma carga fiscal para alimentar as “células” velhas, em desprezo pela novas, e o fomento da esclerose dos serviços que deveriam ser investimento público e que se tornam apenas formas de alimento das “células” velhas, geram um custo económico muito superior aos 50% da riqueza que os economistas conseguem medir. Esse custo económico é a morte do tecido que nos faz um corpo nacional, ficando composto apenas pelas “células” velhas ou envelhecidas que ocupam cargos “que não é para trabalhar, é só para ganhar”.

Um corpo nacional de professores envelhecidos porque os seus direitos sempre se impuseram aos direitos dos seus alunos, as “células” novas que hoje vemos a ser sugadas para outros destinos, ao ponto absurdo de ser um computador quem escolhe o que é, ou não, mais adequado para lidar com os alunos. Um corpo nacional de cuidados de saúde que expulsa as “células” novas para geografias que as recebem de forma entusiástica, enquanto se preocupa se o número de “células” novas que são criadas não põem em causa os rendimentos e direitos adquiridos das “células” velhas.

Como todo o corpo que não renova as células, a morte é o destino mais que provável. E Portugal é um corpo a morrer, rapidamente, muito porque aquilo a que chamamos “república portuguesa” está a sugar os recursos que precisávamos para que as “células” novas pudessem fortalecer o corpo. A escolha que nós, as “células” velhas, podemos ter de fazer é se queremos salvar Portugal matando a república ou salvar a república matando Portugal. Aquilo que parece óbvio é que a moeda velha está a expulsar a moeda nova e nem sequer é líquido que não tivéssemos já passado o ponto de não retorno. Se calhar, para bem da espécie, até os países têm que morrer um dia e, nesse caso, é justo que os que morrem sejam aqueles que fazem as péssimas escolhas que nós fazemos.