Dia 26 de março de 2024, fez-se história.

Pela primeira vez na nossa cinquentenária democracia, os 230 deputados eleitos – para a atual XVI legislatura – afirmaram solenemente que iriam defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição.

O mesmo é dizer, que iriam zelar pelo cumprimento dos 296 artigos da lei suprema do país.

Entre tantas disposições, encontramos o princípio fundamental do Estado de Direito democrático, segundo o qual a República Portuguesa se baseia, a par de outras realidades, no pluralismo de expressão. Destaque também para o princípio da igualdade, nos termos do qual ninguém pode ser, entre outras situações, prejudicado em razão de convicções políticas ou ideológicas.

Dia 18 de outubro de 2024, fez-se história.

Pela primeira vez na nossa cinquentenária democracia, deputados do PS e do BE, encabeçados por Isabel Moreira e Fabian Figueiredo, não votaram a favor de uma candidata a Juíza do Tribunal Constitucional por causa da sua posição sobre… o aborto.

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O mesmo é dizer, 83 deputados (juntando-se ainda outros), de forma deliberada, prejudicaram a cidadã Maria João Vaz Tomé em razão de convicção ideológica, fazendo tábua rasa do pluralismo de expressão que enforma o nosso Estado de direito democrático.

E no final, rezam as crónicas, alguns parlamentares ainda bateram palmas, no que constituiu um desfecho pungente para o golpe de morte que acabavam de infligir na Constituição, ou, bem vistas as coisas, isto de cumprir e fazer cumprir a Constituição não é, afinal, para levar assim tão à letra…

No rescaldo da deliberação, tivemos reações ao sentido de voto para os mais variados gostos.

Da parte do grupo parlamentar do PS, foi emitido um comunicado em modo “tomar os portugueses por parvos”, referindo os socialistas, candidamente, que “a rejeição de candidaturas faz parte da normalidade democrática”. Faltou, no entanto, acrescentar ao texto que a dita rejeição de candidaturas diz respeito a quem não pensa como o secretariado nacional, neste caso, no tema do aborto.

Por seu turno, o BE, na pessoa do seu líder parlamentar, teve a reação “orgulhosa e descarada”. A juíza Maria João Vaz Tomé foi penalizada pela sua posição conservadora sobre o aborto. Seguidamente, Fabian Figueiredo deixou um apelo contundente para “que não seja indicado mais nenhum candidato para o Tribunal Constitucional que ache que deve haver recuos nos direitos, liberdades e garantias em Portugal”.

Esta desfaçatez de intenções faz, curiosamente, lembrar um antigo dirigente desportivo, hoje a braços com vários problemas judiciais, que, no início do século, dizia que era mais importante ter pessoas do seu clube no topo da estrutura da Liga do que contratar jogadores.

Para PS e BE, mais importante do que vingar as suas propostas políticas nas urnas perante os eleitores portugueses, é ter o Tribunal Constitucional composto apenas por juízes que sigam os seus cânones, de modo especial no que toca ao aborto e eutanásia.