Há algo profundamente simbólico na crescente adoção de contentores como solução para a construção de infraestruturas públicas em Portugal. Num país onde a retórica política é tão pesada quanto as gruas que transportam estas estruturas, o contentor tornou-se, ironicamente, o reflexo perfeito de uma governação que insiste em embrulhar remendos como se fossem reformas.
Primeiro, há que reconhecer o óbvio: os contentores são úteis. No auge de uma crise, quando há vidas em jogo e cada minuto conta, improvisar hospitais, quartéis ou escolas com módulos pré-fabricados pode salvar o dia. Mas a questão que urge colocar é outra: como é que um país europeu, com o peso histórico e ambições modernas de Portugal, se resigna a transformar uma solução de emergência em norma? É um pouco como o turista que tira uma fotografia à frente da Torre Eiffel com um pau de selfie comprado no bazar das inutilidades: prático, mas desprovido de qualquer senso de grandeza ou permanência.
Os responsáveis públicos, claro, terão sempre um discurso pronto. “Soluções rápidas”, dirão uns. “Custos controlados”, acrescentarão outros. E não faltarão os iluminados a invocar a sustentabilidade ambiental dos contentores reciclados. Mas, na realidade, o recurso a contentores revela uma falha estrutural: a incapacidade de planear a longo prazo. Estes contentores não são apenas edifícios metálicos mas sim a
metáfora de uma política que reage, mas nunca antecipa, que tapa buracos, mas nunca ergue alicerces.
É inevitável perguntar: quando passámos a aceitar o transitório como permanente? O quartel dos bombeiros que nasce de contentores é, na verdade, um eco da precariedade em que vivem muitos dos seus operacionais. Os hospitais modulares, construídos à pressa, são tão temporários quanto os contratos dos enfermeiros que neles trabalham. Até as escolas, onde educamos as gerações futuras, surgem em estruturas que parecem dizer: “Não se habituem muito, amanhã podemos não estar cá.”
A opção pelos contentores também denuncia o desinvestimento crónico no setor público. É mais fácil montar uma estrutura modular do que enfrentar a lentidão burocrática que emperra a construção de edifícios sólidos e permanentes. É mais simples exibir um contentor novinho em folha na inauguração do que explicar porque é que os concursos públicos demoram anos a ser resolvidos. A verdade é que, em muitos casos, os contentores são o preço pago pela nossa condescendência com a mediocridade.
E não, não se trata de um ataque à modernidade ou à arquitetura modular. Quando bem integrados e acompanhados de uma visão estratégica, esses sistemas podem ser revolucionários. O problema é que, em Portugal, o contentor não é sinal de vanguarda, mas de remendo. É a solução que optamos por romantizar porque não temos coragem de admitir que falhámos no essencial.
É preciso perguntar, com frontalidade e alguma vergonha: quando é que Portugal se tornou no país das soluções “jeitosas”? Porque é que insistimos em maquilhar a precariedade com uma camada fina de modernidade descartável? E, mais importante, quando é que os nossos líderes começarão a tratar os contentores como o que eles deveriam ser, medidas de recurso, e não como monumentos à falta de ambição?
Os contentores, afinal, são apenas isso: estruturas temporárias. É tudo o que representam. Talvez seja por isso que incomodam tanto. Porque, num país onde cada solução é um improviso, eles lembram-nos de que aquilo que hoje parece servir amanhã será só mais um ferro-velho à espera de ser reciclado. Portugal não merece viver empilhado em contentores.