O discurso sobre a felicidade “invade-nos”. Por todos os lados. Parece fácil. Ser barato. E dar milhões. Qualquer coisa simples, até, de conseguir. Tais os smiles com que convivemos… em todas as caixas registradoras (!). “Amem-se uns aos outros” deu lugar a “Sê feliz!” Vivemos num mundo que parece organizado para não sentirmos. E para não pensarmos. Que, ao mesmo tempo, nos exige uma espécie de felicidade forçada. Onde o princípio do prazer manda mais do que devia.

E, depois, há o discurso público sobre o tempo que as pessoas não têm. O excesso de peso e a obesidade na informação que ingerem mas não digerem. O modo impulsivo como transformam o contraditório dos pontos de vista em delitos de opinião. Os mínimos pretextos que encontram para o fel e para um certo hooliganismo digital. A agitação em que elas vivem. Muito mais porque se foge de pensar do que da forma como se trabalha em exagero. E, há, ainda, os défices de atenção das pessoas quando lêem mas não interpretam. E uma espécie de epidemia atípica de vaidade que faz com que a palavra de ordem seja: “Sê quem não és!”, acompanhado duma pitada de  “Sorria. Está a ser filmado! “. Podem a agitação e o fel, a vaidade e o ser-se quem se não é tornarem-nos competentes para a felicidade? Não!

E, há, ainda, o banalíssimo: “Não preciso que seja o/a melhor. Só quero que seja feliz!”. Que faz da felicidade dos filhos um objectivo indiscutível. Onde, na ideia dos pais, se incluem: “ser bom” naquilo que faz; ter sucesso; destacar- se e “dar nas vistas”; ter dinheiro. E, é claro, ser feliz. (O “só” está, portanto, embrulhado em mais “ses” do que parece.)

A par, já num outro plano, escutei, muitas vezes, alguns amigos meus jesuítas insurgirem-se contra uma “sociedade hedonista”. Como se o prazer fosse o ópio do povo. (Na verdade, eu acho que eles se referiam ao “prazer a todo o custo”.) Como se uma procura, desenfreada, do prazer fizesse com que as pessoas resvalassem para a impulsividade. Para alguma irracionalidade. Para o egoísmo. Para o frenesi. E para a frustração. Ora, o prazer a todo o custo e a felicidade forçada são pegajosos. Condicionam-nos. Inibem-nos de pensar. E tiranizam-nos, também.

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Ora, não há prazer sem felicidade; e vice-versa. Eu sei que, dito assim, isso pareça redutor. Mas o prazer é uma experiência, essencialmente, de comunhão entre duas pessoas. Quando se dão e se recebem. Quando se sentem. Quando se intuem. Ou quando falam com a fineza com que as crianças se expressam a propósito do que sentem. O prazer pode ser estar em todos os lugares. Pode ser comunicar. Pode ser descobrir. Pode ser brincar. Pode estar no ancoradouro onde se vivem as infelicidades indispensáveis para sermos felizes. Pode ser amar. O prazer é o que temos de mais próximo do sagrado. Já o prazer individual é uma volúpia. Tem uma aragem um bocadinho orgástica.

Que, depois de vivida, traz a estranheza de vários: “Então, já acabou?…”. Não se prolonga pela paz e pelo assombroso que só a comunhão a dois nos pode dar. Prazer, paz, amor, comunhão, alegria e sabedoria são quase sinónimos. E, “ligados” uns aos outros, são os condimentos com que se é feliz.

Mas, ao contrário do que seria de supor, multiplicam-se as fórmulas e os “especialistas” da felicidade. Um pouco como se nos propusessem: “Não pense em mais nada. Limite-se a ser feliz!” Quem pode ser feliz, fazendo, unicamente, por não sentir e por não pensar? Ou encolhendo o intuir? E sem trocar impressões, sem falar (em pormenor) do que sente, e acumulando desamparos? Quem pode ser feliz só porque lhe vendem mais uma fórmula, fácil, para a felicidade? Como se pode ser feliz nadando contra a corrente do que se sente? Uma sociedade que procura a felicidade sem pensar em mais nada é um caldeirão de desapontados. Uma multidão de pessoas solitárias! Com qualidades inacreditáveis! Que, de tanto procurarem fórmulas fáceis de felicidade, a todo o custo, o melhor que conseguem é estarem mais sós. E serem infelizes!

O mundo está organizado para não pensarmos. E, por estranho que isso pareça, e por mais que nos bombardeie com a felicidade, não está “preparado” para sermos felizes. O mundo em que nos deixamos enredar é estranho! Temos tudo para sermos felizes. E, de forma incansável, fazemos tudo (e sempre um bocadinho) para sermos infelizes.