É do interesse de qualquer cidadão que o mundo como um todo – e não apenas um determinado país ou instituição internacional – fale a uma só voz e implemente uma ordem espacial que se baseie em regras, e numa cooperação global em assuntos do cosmos. Sem isso, podemos acabar a lutar uns com os outros pela geografia do espaço, tal como o fazemos – e sempre fizemos – em relação à geografia da Terra.

A Cimeira da NATO de 2021, em Bruxelas, emitiu uma declaração que de pouco se falou, mas que expandiu o famoso artigo 5.º e a sua cláusula de defesa mútua para passar a incluir o espaço. As palavras incorporadas no documento foram escolhidas de forma cuidadosa: “Os ataques ao, a partir do, ou dentro do espaço podem ser tão perigosos para as sociedades modernas como um ataque convencional. Ataques desse tipo podem conduzir à invocação do Artigo 5.º”.

Foi apenas em 2019 que a NATO acrescentou o espaço à terra, ao ar, ao mar e ao ciberespaço como um terreno operacional, e no ano seguinte os seus Estados-membros concordaram em estabelecer um Centro Espacial, que foi inaugurado em Ramstein, na Alemanha. Apesar das contribuições de França e Reino Unido, a Aliança é, como sabemos, muito dependente dos EUA para reconhecer e identificar alvos, assim como nas suas demais capacidades militares convencionais, sendo que nem neste domínio o impulso norte-americano deixou de ser preponderante.

A verdade é que a realidade geopolítica, e também no espaço da astropolítica – ou seja, do próprio espaço – indica que os EUA e a China entrarão numa fase nova da rivalidade entre superpotências. Se algum deles não o fizer, deixará o caminho livre para que o outro exerça a sua influência na Lua.

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Deparamo-nos, hoje, com a necessidade crescente de vermos a humanidade a alcançar o objetivo das “Zero Emissões” na Terra, e o espaço pode constituir uma oportunidade única para o alcançar. De facto, a implementação de painéis solares no espaço já é exequível, num projeto que poderá permitir que a energia do Sol emitida seja suficiente para responder a todas as atuais necessidades de eletricidade, e transmiti-la para o planeta. Segundo os especialistas, será também possível colocar fábricas no espaço, assim como a mineração da Lua e de asteroides para se obterem materiais de terras raras e outros recursos que hoje se encontram ao nosso alcance, fruto dos inúmeros desenvolvimentos tecnológicos propiciados, em grande parte, pelo setor privado.

Foi precisamente perante esta realidade que, em 2019, o governo norte-americano lançou o Space Force (Força Espacial), o mais recente dos seis ramos das Forças Armadas norte-americanas, para além do Exército, da Marinha, Força Aérea, Fuzileiros e da Guarda Costeira. É liderada por um general de quatro estrelas que, juntamente com os outros responsáveis pelas Forças Armadas, é membro do Estado-Maior Conjunto dos EUA. A Força Espacial é responsável pela gestão dos satélites de GPS, que podem detetar lançamentos de mísseis, e possui bloqueadores de sinal que podem impedir transmissões realizadas por satélites inimigos, rastreando ainda os destroços espaciais.

Num mundo cada vez mais distante da unipolaridade que caracterizou a geopolítica do final do século XX e do início do presente século, sabe-se que a República Popular da China definiu como objetivo ultrapassar todas as outras nações e ser o maior poder espacial até 2045. O programa espacial chinês parece, com efeito, estável e concretizável, até pelo facto de a liderança de Pequim ignorar matérias como estudos de opinião, consultas públicas, partidos de oposição e a supervisão democrática de orçamentos. Sendo tal preocupante do ponto de vista moral e humanitário, a verdade é que esta realidade facilitará em muito a execução dos seus intuitos e ambições, tal e qual à semelhança daquilo que poderá acontecer nos campos da tecnologia e da inteligência artificial.

À medida que a década avança, serão feitas cada vez mais reivindicações sobre a “geografia” do espaço. A China já é o único país a operar a sua própria estação espacial, a Tiangong 3. Apesar de não ter tanto destaque como será ter uma base na Lua, possuir a única estação espacial soberana é uma afirmação clara em termos astropolíticos. A Estação Espacial Internacional, por seu turno, é um programa de cooperação que envolve países europeus, o Japão, a Rússia, os EUA e o Canadá, e que tem vindo a acolher 250 astronautas de 19 países. No entanto, a Tiangong pertence à China e é apenas operada pelo país liderado por Xi Jinping.

Embora os grandes dias da Rússia na cosmologia pareçam ter terminado com a queda do Muro de Berlim e com a consequente desintegração da União Soviética, não podemos ignorar o facto de o seu futuro se pautar por um papel importante numa parceria sino-russa, reforçando assim a cooperação entre os dois países autocráticos até no domínio espacial. Em 2021, a China e a Rússia assinaram, com efeito, um memorando de entendimento para construírem em conjunto uma base na Lua, chamada Estação Internacional de Investigação Lunar (EIIL). A primeira estrutura a construir permitiria a mineração, para extrair os recursos que farão a base crescer – fundamentalmente, a água, daí a localização no polo sul lunar.

As leis que temos para regulamentar a atividade no espaço são, ainda hoje e depois de tantos avanços, pouco mais do que meras diretrizes gerais, e que, entretanto, foram rapidamente ultrapassadas pela tecnologia e pelas realidades geopolíticas em constante mudança. Com um número crescente de plataformas baseadas no espaço, com finalidades militares e civis – mineração, projetos de energia solar, trabalho científico e turismo espacial –, o espaço está hoje a tornar-se um ambiente congestionado, que precisa de acordos e de leis aplicados, precisamente, aos dias de hoje.

A ideia de que o espaço é um bem global comum está a desaparecer, com cada vez mais competição entre Estados e entre atores não estatais, com especial destaque para várias organizações do setor privado que vão emergindo. À medida que o saber e a tecnologia se vão desenvolvendo, um novo conjunto de regras, e um melhor entendimento do espaço que elas regem será cada vez mais necessário para cada um de nós. É do interesse de qualquer cidadão que o mundo como um todo – e não apenas um determinado país ou instituição internacional – fale a uma só voz e implemente uma ordem espacial que se baseie em regras, e numa cooperação global em assuntos do cosmos. Sem isso, podemos acabar a lutar uns com os outros pela geografia do espaço, tal como o fazemos – e sempre fizemos – em relação à geografia da Terra.